Título: A odisséia de quem migra de país pobre para menos pobre
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/01/2008, Internacional, p. A9

Eles são 74 milhões, ganham menos que os que vão para nações ricas e correm maior risco de maus-tratos

Jason DeParle, The New York Times, Juan Gómez, Rep. Dominicana

Os barracos de madeira numa encosta lamacenta são uma versão da terra prometida para o homem pobre. Têm o teto cheio de goteiras e chão de terra, não dispõem de luz elétrica nem água encanada, mas centenas de haitianos arriscam a vida para vir para cá e trabalhar nos campos próximos. Eles fazem parte de uma tendência global - habitantes de países paupérrimos que se mudam para países pobres.

Entre eles está Anes Moises, de 45 anos, um homem de pele escura com alguns cabelos brancos que trabalha em plantações de banana na República Dominicana há mais de uma década , sempre ilegalmente. Os fazendeiros pagam a ele US$ 5 por dia e lhe dizem que os haitianos não prestam. Os soldados o chamam de ¿diabo¿ e já o deportaram quatro vezes. Mas com um rendimento médio na República Dominicana seis vezes maior que no Haiti, Moises respondeu a cada expulsão contratando um contrabandista para subornar os guardas da fronteira e levá-lo de volta. ¿Somos obrigados a voltar para cá. Não porque gostamos, mas porque somos pobres¿, disse ele. ¿Quando cruzamos a fronteira, nossa vida melhora um pouco, pois conseguimos comprar sapatos e talvez um frango.¿

No mundo em desenvolvimento, os migrantes deslocam-se para outros países pobres com quase tanta freqüência como para países ricos. Mas seus números e privações são freqüentemente são ignorados. Eles geralmente começam mais pobres que os que foram para países ricos, ganham menos e têm maior probabilidade de viajar ilegalmente, o que eleva riscos de maus-tratos. Eles geralmente se mudam para países que dão aos imigrantes menor proteção legal e menos serviços que os países ricos. Mesmo assim, o que ganham ajuda a sustentar algumas das pessoas mais pobres do planeta.

Existem 74 milhões de migrantes ¿do sul para o sul¿, segundo o Banco Mundial, que usa esta expressão para descrever quem se muda de um país em desenvolvimento para outro, independentemente da geografia. O Banco Mundial estima que eles enviem para casa entre US$ 18 milhões e US$ 55 milhões ao ano. O banco também avalia que 83 milhões de migrantes já se mudaram do ¿sul para o norte¿, ou seja, dos países pobres para os ricos.

Nicaragüenses constroem prédios na Costa Rica. Paraguaios fazem colheitas na Argentina. Nepaleses escavam minas indianas. Indonésios limpas casas malaias. Agricultores de Burkina Fasso cuidam de plantações na Costa do Marfim. Alguns economizam para viagens mais caras para o norte, enquanto outros percebem que a mudança de uma terra pobre para outra é tudo o que poderão alcançar. Com os países ricos tornando mais rigorosa a vigilância em suas fronteiras, a migração dentro do mundo em desenvolvimento tende a crescer.

¿A migração do sul para o sul não só é enorme, como também atinge uma classe diferente de pessoas¿, disse Patricia Wiess Fagen, pesquisadora da Universidade Georgetown. ¿São pessoas muito pobres que enviam dinheiro para pessoas ainda mais pobres e, freqüentemente, alcançam áreas rurais aonde não chegam muitas remessas.¿

A migração de haitianos para a República Dominicana, sua vizinha na Ilha de Hispaniola, tem sido elevada e conflituosa. Os dominicanos, que falam espanhol, ainda guardam ressentimentos da ocupação haitiana, que acabou em 1844. Já os haitianos, que falam creole, lembram de 1937, quando os dominicanos cometeram um massacre fronteiriço no qual se calcula que tenham morrido dezenas de milhares de haitianos.

A renda per capita na República Dominicana é de US$ 2.850, enquanto no Haiti é de US$ 480. E a luta de civilizações pode ser vista ao longo do Rio Massacre, que divide os dois países. Do lado dominicano, Dajabon é uma cidadezinha comercial com 10 mil habitantes, ruas pavimentadas, serviços de utilidade pública e um café com internet. Já sua contrapartida haitiana, Ouanaminthe, é sete ou oito vezes maior, mas não tem iluminação pública nem água encanada. Porcos e lixo espalham-se pelas ruas de terra.

As autoridades dominicanas calculam que os imigrantes haitianos sejam 1 milhão, ou 11% da população. Seus problemas vão do trabalho árduo e baixos salários à violação sistemática de seus direitos. Eles dizem que os dominicanos lucram com seu trabalho, mas lhes negam os documentos trabalhistas, os deportam quando querem e os discriminam pelo fato de os haitianos terem a pele mais escura. ¿Não há justiça aqui¿, lamenta Moises.

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