Título: Ano novo, mentiras velhas
Autor: Rodriguez, Ricardo Vélez
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/01/2008, Espaco Aberto, p. A2

As Farc prometeram que libertariam três dos seus cativos até 31 de dezembro. Não somente enganaram a mídia, como também os próprios governantes e enviados internacionais que se prontificaram a servir de testemunhas, a começar pelo presidente da Venezuela, Hugo Chávez. Compareceu à anunciada cerimônia o nosso embaixador informal Marco Aurélio Garcia. Ora, os seqüestrados não foram devolvidos ao convívio dos seus lares porque, simplesmente, um deles, o pequeno Emmanuel, de 3 anos de idade, não estava com os guerrilheiros, que o haviam confiado aos cuidados clandestinos de um cidadão que, por sua vez, terminou entregando-o às autoridades, em decorrência do precário estado de saúde do pequeno. Os guerrilheiros estavam seguros de que a criança lhes seria devolvida pelo seu temporário protetor, que, ao descumprir a obrigação imposta pelos meliantes, teve de pedir proteção ao Estado colombiano.

Reconheçamos que os guerrilheiros fizeram todo mundo de bobo. O que queriam era projeção internacional, e a tiveram. O fato real é que as Farc têm sofrido, ao longo dos últimos anos, sérias derrotas no plano militar para o bem treinado Exército da Colômbia, cuja Força de Deslocamento Rápido (Fudra), constituída por soldados profissionais e que conta com 15 mil homens bem armados e equipados com aeronaves e helicópteros de combate, tomou a iniciativa na guerra.

Segundo dados divulgados em 2 de janeiro pelo jornal El Colombiano, de Medellín, que citava fontes do Ministério da Defesa do vizinho país, num total de 2.507 combates, foram mortos, ao longo do ano que acaba de terminar, 1.700 guerrilheiros e 1.061 entregaram as armas, foram destruídos 1.968 acampamentos da guerrilha e apreendido abundante material de guerra (6.197 armas pesadas, 7.603 granadas e 821 mil projéteis). Paralelamente, houve uma significativa diminuição dos atentados perpetrados pela guerrilha em todo o país (160, ante 347 em 2006). De outro lado, as forças policiais têm conseguido manter a tranqüilidade nas grandes cidades e se tornaram presentes em quase todos os municípios da Colômbia. Isto é importante se levarmos em consideração que, há apenas cinco anos, aproximadamente 30% dos municípios colombianos não contavam com efetivos da Força Pública. O esforço do Plano de Segurança Democrática do presidente Uribe tem dado importantes resultados, como se pode observar. Que o digam os habitantes de Bogotá (6 milhões de pessoas, que vivem numa urbe do tamanho do Rio de Janeiro, onde a violência diminuiu sensivelmente, situando-se hoje entre as mais seguras cidades do continente sul-americano) e Medellín (3 milhões de pessoas e onde também se conseguiram índices satisfatórios na diminuição da violência).

Preocupa, em todo esse episódio da não-entrega dos reféns, um aspecto: a falta de transparência por parte do presidente Chávez e das Farc. É sabido que os guerrilheiros contam com a simpatia e o apoio logístico e militar do governo venezuelano, segundo revela extensa reportagem feita pelo jornalista John Carlin, do jornal El País de Madri (o mais importante diário espanhol), intitulada El narcosantuario de las FARC e publicada na edição de 16 de dezembro (*). Segundo a mencionada reportagem, existem na Venezuela vários campos em poder das Farc. Esses campos são utilizados pelos guerrilheiros para fugirem das operações das Forças Armadas colombianas, para treinamento visando atos terroristas, como também para receberem atendimento médico, suprimentos e armamento. Ainda segundo o mesmo jornalista, as Farc utilizam o território venezuelano para exportarem para o mercado europeu parte significativa da cocaína que produzem, pagando pedágio a funcionários corruptos.

Que as Farc não têm nenhuma transparência, isso não é novidade. Mentiram sempre. Prometeram que nada aconteceria aos 11 deputados colombianos seqüestrados há cinco anos e os assassinaram à queima-roupa em junho de 2007; assassinaram covardemente, em 2003, dois reféns importantes, o governador do Departamento de Antioquia, Guillermo Gaviria, e o ex-ministro Gilberto Echeverri (que foram seqüestrados enquanto buscavam o diálogo com os insurgentes); prometeram entregar, antes de 31 de dezembro de 2007, os reféns Clara Rojas (assessora de Ingrid Betancourt), o seu filho Emmanuel e a deputada Consuelo González, e o resultado é o fiasco revelado recentemente pela imprensa internacional. Isso para não falar da morte lenta a que estão sendo submetidos os anônimos 3 mil e tantos seqüestrados (pequenos comerciantes, criadores de gado, industriais, donas de casa, velhos, crianças), que correm o risco de ser degolados, como foi constatado que aconteceu com seis comerciantes do Departamento de Putumayo, no sul da Colômbia, em fevereiro de 2007.

O mínimo que se poderia exigir nesta quadra é que, pelo menos, o governo venezuelano tenha mais transparência e esclareça, perante a opinião pública mundial, os laços que tem com as Farc e se realmente pretende colaborar numa missão humanitária, como diz o presidente Chávez, ou apenas favorecer as maquinações internacionais dos meliantes colombianos. E o mínimo que podemos esperar aqui, no Brasil, é que o governo do presidente Lula, antes de se comprometer em mais uma missão como a que acaba de ser abortada por descumprimento das Farc, exija a transparência necessária para não cair no ridículo, mais uma vez, no cenário internacional.

(*) A reportagem completa do jornal El País pode ser consultada pelos leitores no endreço http://www.elpais.com/articulo/reportajes/narcosantuario/FARC/elpepusocdmg/20071216elpdmgrep_1/Tes?print=1

Ricardo Vélez Rodríguez é coordenador do Centro de Pesquisas Estratégicas ¿Paulino Soares de Sousa¿ da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) E-mail: rive2001@gmail.com

Links Patrocinados