Título: Após 1ª morte por febre amarela no DF, população faz fila para se vacinar
Autor: Formenti, Ligia
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/01/2008, Vida&, p. A13

Assustados com a doença, milhares vão aos postos de saúde; polícia teve de ajudar a organizar atendimento

A morte, ontem, de Graco Carvalho Abubakir, de 38 anos, com suspeita de febre amarela e a notícia de mais um caso suspeito no Distrito Federal ajudaram a aumentar uma corrida aos postos de saúde. Pessoas que nunca haviam sido vacinadas e outras que não lembravam a data da última imunização lotavam centros de atendimento. A Secretaria da Saúde do DF investiga ainda a morte de um homem, no dia 5, mas há fortes indícios de que se trata de hantavirose e não febre amarela.

Despreparados para a corrida pela vacina, funcionários dos postos agiam ontem como se fosse um dia normal. Muitos deles, às 10 horas, interrompiam o atendimento para se concentrar nas pessoas que já estivessem na fila e, com isso, garantir o horário do almoço. No posto de saúde da Quadra Interna 23 do Lago Sul, quatro carros da polícia foram chamados para acalmar os ânimos da população. ¿Foi um exagero. As pessoas reclamavam, mas com razão. É inacreditável o posto encerrar o atendimento às 10 horas¿, afirmou Isabel Pojo do Rego, de 52 anos, que foi com o neto, Rafael, vacinar-se contra a doença. Somente depois de muita reclamação os portões foram novamente abertos. Às 11h40, o atendimento foi retomado e as senhas voltaram a ser distribuídas.

¿É um exagero. Não tem caso de contaminação na cidade. Claro que todos têm de ter vacina em dia, mas um dia a mais, outro a menos, não fará diferença¿, justificou a médica do posto do Lago Sul Sílvia Magalhães.

O subsecretário de Atenção à Saúde do Distrito Federal, Milton Menezes, concorda. ¿As pessoas estão assustadas. Muitas já estão vacinadas e querem reforço, o que é um erro¿, observou. Ele admite, no entanto, a necessidade de se adaptar à forma do atendimento. Uma das possibilidades cogitadas era manter postos abertos mesmo no horário do almoço. Funcionários seriam recompensados com pagamento de hora extra. Para ele, o sistema montado foi suficiente. ¿Não havia necessidade de comunicação extra. Prova disso é que em duas semanas 250 mil pessoas foram imunizadas.¿

No posto do Paranoá, a tática de fechar o atendimento às 10 horas também foi adotada. Gisele Martins da Silva, de 28 anos, teve de esperar até às 13h45 para ser imunizada. Precavida, sua companheira de fila Ana Maria Fonseca, servidora pública, levou uma sombrinha para se proteger do sol.

Cláudia Andreia, de 29 anos, teve de aguardar no sol o andamento da fila. Mesmo se recuperando de uma cirurgia para extração de um câncer de pele. ¿Se pedir para passar na frente, acabam batendo em mim. Se a fila andasse, e o posto não fechasse, isso não aconteceria. Seria rápido.¿

A morte de Abubakir também evidenciou a dificuldade de se colocar em prática medidas preventivas contra a doença. Embora alertas sobre a necessidade de vacinação tenham sido feitos logo após o Natal, quando macacos morreram no DF, somente ontem, com a notícia da doença de Abubakir, a população procurou os postos.

¿Não achava que era assim tão importante. Só com a notícia do doente é que decidi vir aqui¿, afirmou a doméstica Gisele Martins da Silva, de 28 anos, que ontem procurou o posto de saúde de Paranoá, cidade satélite de Brasília a 20 quilômetros de Brasília.

Abubakir foi internado na sexta-feira no Hospital Santa Luzia. Chegou com sintomas de febre amarela, mas com bom estado de saúde. Na noite do mesmo dia, ele já respirava por aparelhos. Morreu na tarde de ontem. Só com o resultado dos exames será possível afirmar se Abubakir foi infectado pelo vírus da febre amarela.

No feriado de ano-novo, Abubakir havia viajado para Pirenópolis, uma cidade a 150 km de Brasília, cujo principal atrativo são passeios em cachoeiras. No dia em que ele viajou, o Distrito Federal havia iniciado um esforço extra para imunizar a população. A medida havia sido desencadeada depois da morte dos macacos, no Parque Nacional de Brasília, freqüentado por milhares de pessoas em todos os fins de semana.

FALHAS

O senador Cristovam Buarque (PDT-DF), que foi governador do Distrito Federal entre 1995 e 1998, criticou o governo federal pela demora no alerta à população quanto à suspeita de que pode haver focos de febre amarela no Distrito Federal e em Goiás. ¿O governo deveria ter feito um serviço de prevenção assim que apareceram macacos mortos no Parque Nacional de Brasília¿, disse Cristovam. As primeiras notícias sobre a morte dos animais foram divulgadas três dias antes do ano-novo.

Para o professor de moléstias infecciosas e parasitárias da Universidade de São Paulo (USP), Marcos Boulos, algumas medidas extras podem ser adotadas para reforçar a prevenção contra a febre amarela. ¿O governo agiu de forma adequada. Determinou a vacinação, acompanhou a morte dos macacos¿, disse.

Para que não faltasse vacina, 300 mil doses extras foram remanejadas para o Centro-Oeste. Boulos avalia que campanhas em períodos de férias, maior veiculação de informação em agências de turismo, companhias aéreas e de ônibus, são extremamente úteis. ¿Na década de 80, chegou-se a cogitar a exigência da vacina contra a doença para quem quisesse entrar nos Estados onde ela é endêmica. Mas isso acabou descartado, a pedido dos governadores.¿

Barreiras de vacinação, para Boulos, servem apenas por períodos curtos. ¿O mais importante é convencer a população da necessidade de estar imunizada caso viaje para locais onde há febre amarela silvestre ou quando pessoas moram em áreas de risco.¿

Boulos cita o caso do médico Drauzio Varella, que contraiu a doença ao viajar para região endêmica, como um exemplo de como é difícil que pessoas tenham a preocupação com vacinação sempre em mente. ¿Um médico preocupado como ele acabou baixando a guarda. Imagine o restante da população. Quando viajamos, nunca pensamos em precauções, o que é um erro.¿

O infectologista Vicente Amato Neto também observa o quanto é difícil modificar alguns hábitos. ¿A vacina não falta nos postos, há orientação para que quem viaja para locais de risco se proteja contra a doença. Agora é colocar isso em prática, mostrar para a população o quanto é precioso seguir as recomendações.¿

O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, não se manifestou sobre o assunto.

GOIÁS

A Secretaria da Saúde de Goiás informou ontem que mais de 1 milhão de pessoas já foram vacinadas contra a febre amarela desde o ano passado, quando foi iniciado o plano de combate à doença. Segundo a superintendente-executiva da secretaria, Maria Lúcia Carnelosso, já são 50 as cidades com notificação de casos na população animal acima da incidência normal (epizootia).

Maria Lúcia disse que o que mais preocupa agora é o risco da febre amarela urbana.

SAIBA MAIS SOBRE A VACINA

Indicação: é recomendada para a população, a partir dos 9 meses de idade, residente nas áreas de risco de transmissão e para as pessoas que pretendem viajar para essas regiões (veja quadro na página A14). É dispensável para quem não pretende viajar ou não mora nesses locais

Período de imunidade: a vacina protege a pessoa por um período de dez anos. Após esse prazo, deve ser tomada uma nova dose

Antes da viagem: a dose deve ser aplicada dez dias antes de a pessoa viajar para as regiões com risco de transmissão

Contra-indicação: não devem tomar a vacina crianças menores de 9 meses e pessoas com imunodepressão transitória ou permanente, induzida por doenças ou por tratamento. Portadores de doenças, como aids, que morem em região de risco devem ser avaliados pelo médico. No caso das gestantes, a análise também deve ser feita por um médico. Pessoas alérgicas a ovo de galinha e seus derivados também devem ser submetidas à avaliação

Precaução: no caso de doença febril moderada ou grave, recomenda-se adiar a vacina até a resolução do quadro

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