Título: Por que a DRU é importante
Autor: Velloso, Raul
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/01/2008, Economia, p. B2

No relatório que propôs o fim da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) e julgava também a prorrogação da Desvinculação de Receitas da União (DRU) por mais quatro anos, a relatora, senadora Kátia Abreu, da oposição, reconhece o excessivo grau de vinculação das receitas públicas, que torna o orçamento muito rígido, e, ao final, pondera, mesmo diante de vários argumentos supostamente negativos antes mencionados, que teria ¿de se curvar diante da realidade, imposta principalmente pela necessidade de recusar a prorrogação da CPMF, de manter a prorrogação da DRU¿.

Na verdade, a DRU e a CPMF foram os instrumentos mais importantes da política de ajuste fiscal adotada na União após o lançamento do Plano Real. A CPMF, porque introduziu recursos adicionais de monta no orçamento federal, facilitando a geração de elevados excedentes fiscais na presença de um orçamento extremamente rígido e de quase nenhuma disposição política para cortar gastos.

Já a DRU nada mais é do que a reedição do antigo Fundo Social de Emergência (FSE), de 1994, que teve papel relevante no lançamento do Plano Real, numa época em que se cobrava do governo um sinal forte na área fiscal que desfizesse a impressão adquirida desde os planos malsucedidos do passado, de que o combate à inflação era desprovido de bases fiscais sólidas no Brasil.

O ponto central era a constatação de que a inflação elevada servia para os gestores financeiros reduzirem o excessivo grau de vinculação durante a execução orçamentária. Assim, mesmo havendo excesso de vinculações de receita a certas finalidades, bastava postergar certas liberações no início do ano para sobrarem, no caixa, recursos oriundos de receitas vinculadas, ajustadas para cima pela inflação galopante, que, então, eram redirecionadas para os usos sem fontes suficientes. E se a inflação alta acabasse? Como transmitir aos mercados a informação de que ali a coisa seria para valer, ou seja, mesmo sem inflação elevada poder-se-iam redirecionar recursos dos segmentos superaquinhoados para os carentes de fontes?

A solução - O FSE foi a denominação ¿política¿ conferida pelo governo da época à sugestão que dera o então ministro da Fazenda de criar um ¿fundo de estabilização econômica¿, composto de parte das receitas vinculadas, que assegurasse recursos para o pagamento de pessoal e outras despesas desprotegidas por esse tipo de receita, na hipótese de o plano dar certo e a inflação elevada não mais ter o papel de corroer liberações orçamentárias.

Pelos números do orçamento da época, o ideal seria desvincular um porcentual superior a 20% das receitas, mas essa foi a marca afinal escolhida, em razão das limitações políticas da ação do governo. Representantes do PT, hoje no governo e apoiando a DRU, foram gradualmente se insurgindo contra a medida, alegando que ela retirava recursos de setores prioritários. Já na votação atual, parlamentares do PSDB e do antigo PFL estranhamente se posicionaram contrários à sua prorrogação, alegando alguns que sua finalidade original já se havia esgotado, não mais sendo necessária sua prorrogação. Coisas da política...

Refiz as contas relevantes da execução orçamentária da União, com base na execução efetiva em 2006, para verificar se a DRU ainda é necessária. E vi que sim. De um total de receitas de 20,1% do PIB, apenas 36% desse total (ou seja, 7,3% do PIB) eram receitas do orçamento fiscal puro, para atender a despesas elevadas, como pessoal (inclusive inativos e pensionistas), e compor o superávit primário (excedente de caixa antes de pagar juros). Só que as necessidades mínimas desse orçamento, inclusive considerando investimentos mínimos de 0,5% do PIB (o menor valor da série desde os anos 1970), eram de 10% do PIB. Nessas condições, sem algum mecanismo que transferisse receitas do suborçamento composto pelas demais fontes (contribuições sociais), ficaria faltando uma parcela de 2,7% do PIB (10 menos 7,3). Mantido o superávit primário e sem essa transferência, seria necessário emitir títulos da dívida pública no overnight para financiar parcela equivalente a 2,7% do PIB ou 54% da citada despesa de pessoal. Um verdadeiro disparate em matéria de política econômica!

Conclusão - em sua quinta reedição, o mecanismo de desvinculação de receitas do Orçamento da União, mais conhecido como DRU, foi finalmente aprovado no apagar das luzes de 2007 por mais quatro anos.

*Raul Velloso é consultor econômico

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