Título: Uma vampira assombra o orçamento
Autor: Kuntz, Rolf
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/01/2008, Economia, p. B2

O Brasil inventou a primeira vampira fiscal e muito sangue ainda será sugado até alguém fincar uma estaca de pau em seu coração. Nem depois de morta a CPMF dá sossego. O governo pagou pedágio à sua fiel e voracíssima base aliada para fazer tramitar no Congresso o projeto de renovação do imposto do cheque. Perdeu assim mesmo. Agora tem de continuar pagando, e muito mais, para garantir o apoio da mesma base às providências de arrumação do orçamento. O ministro de Relações Institucionais, José Múcio Monteiro, anda atrás de vagas federais, em Brasília e nos Estados, para liquidar as promessas de nomeações e ¿resolver as pendências¿, segundo expressão dele mesmo.

Pelo menos num ponto o trabalho de acomodar companheiros e aliados deve ser mais fácil do que noutros tempos: o último ministro a resistir ao loteamento de cargos, Roberto Rodrigues, da Agricultura, está longe de Brasília e não deixou seguidores na Esplanada.

Loteamento e aparelhamento são mesmo as palavras certas, porque o critério da fidelidade - embora comprada - é o único importante. Se não fosse, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva teria excluído o setor energético do grande Festival de Verão da Barganha.

Escassez de energia é a principal ameaça interna ao crescimento econômico nos próximos anos. O risco de um apagão já em 2008 não está descartado. Reservatórios do Sudeste e do Centro-Oeste estão nos níveis mais baixos desde 2004 e os sinais de alerta se multiplicam. Mas o presidente permanece disposto a retalhar os postos mais altos do setor para atender às pretensões dos aliados, a começar pelo PMDB, como se o Ministério de Minas e Energia estivesse em quadragésimo lugar em termos de importância estratégica. Também isso deve ser parte de sua concepção especial de choque de gestão: levar o empreguismo até a cúpula do setor de eletricidade.

Mesmo com a fidelidade comprada a preço de quilowatt escasso, o apoio da base aliada só deverá permitir uma arrumação orçamentária de quinta categoria, se as negociações e manobras do Executivo continuarem como até ontem. O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, tem falado em cortar R$ 20 bilhões dos gastos previstos na proposta orçamentária. Mas avançou muito pouco e nada permite apostar, até agora, num resultado significativo.

O ministro reuniu-se ontem com o presidente da Comissão Mista de Orçamento, senador José Maranhão, e com o relator, deputado José Pimentel. Bernardo defendeu o corte das emendas coletivas, estimadas em R$ 12,9 bilhões. Preferiu não tocar nas individuais, calculadas em R$ 4,8 bilhões. Nada ficou acertado, aparentemente, e não será fácil mexer nas emendas, principalmente naquelas destinadas a atender a clientelas municipais.

As eleições para prefeitos e vereadores já interferiram e continuarão a interferir nas decisões do governo e de seus aliados, quando se tiver de dar a forma final à proposta orçamentária pós-CPMF. Antes da virada do ano, o presidente Lula transferiu de janeiro para julho o começo da vigência do Decreto 6.170, destinado a regular as transferências de recursos para Estados, municípios e ONGs por meio de convênios e contratos de repasses. Preservou, assim, um poderoso instrumento de intervenção eleitoral. Também antes de acabar o ano, estendeu os benefícios do Bolsa-Família a jovens de 16 e 17 anos, por meio de Medida Provisória. Tudo isso significa aumento de gasto público - e especialmente de gasto condicionado por interesses eleitorais.

No fundo, o objetivo das negociações com a base, assim como o de outras manobras, é uma simples arrumação contábil para dar uma forma aceitável à nova proposta orçamentária. Não há como acreditar numa efetiva disposição de controlar o gasto federal e de administrar com maior eficiência o dinheiro em poder do Tesouro. A idéia de ¿usar¿ o PPI, o Projeto Piloto de Investimentos, para garantir o cumprimento formal da meta de superávit primário é parte dessa política.

Dificilmente o governo realizará todo o PPI neste ano. Nunca o fez e só o fará se adquirir de uma hora para outra uma inesperada competência administrativa. Nesse caso, poderá reduzir a meta de superávit primário do governo central de 2,2% para 1,7% do PIB sem violar formalmente seu compromisso. Faria melhor, em termos práticos, se realizasse os investimentos mais importantes e ao mesmo tempo cortasse para valer as despesas menos produtivas. Mas isso está fora da agenda.

*Rolf Kuntz é jornalista

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