Título: A saúde é direito de todos. E agora?
Autor: Lottenberg, Claudio, Luiz
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/01/2008, Espaço Aberto, p. A2

Nos últimos cinco anos, os números do setor de saúde no Brasil confirmam a tendência mundial de que qualidade em saúde não é medida pela quantidade de leitos oferecidos. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a participação dos estabelecimentos de saúde que não oferecem serviços de internação, mas com atendimento ambulatorial e de emergência, teve um aumento de 19,2%, passando a representar 72% dos mais de 77 mil estabelecimentos de saúde existentes no País. Por outro lado, a quantidade de estabelecimentos com internação caiu, verificando-se taxa de crescimento anual negativa no setor privado. Esse movimento resultou na redução de 18,6% no total de leitos disponíveis. No entanto, o número de internações no mesmo período aumentou 16,3%. Menos leitos e mais internações. Parece contraditório, mas isso pode significar uma postura amadurecida do setor, determinada por alto nível de governança e pelo gerenciamento adequado dos recursos financeiros, humanos e de infra-estrutura.

Governança deve ser entendida como o conjunto de estruturas e funções de uma organização que permitem o estabelecimento de políticas e níveis de autoridade que façam as ações serem direcionadas com transparência e de maneira focada a cada um dos públicos clientes. Faz a complexidade hierárquica organizacional ter personalidade em seu funcionamento e que os diferentes atores que atuam na estrutura tenham independência relativa. Com isso se criam espaços e responsabilidades claros na organização.

Enfermeiras, por exemplo, têm um papel preciso no contato cotidiano com os pacientes e seus familiares, exercendo a prática diária e permanente do atendimento. Médicos assumem a liderança do tratamento, decidindo efetivamente as melhores alternativas para cada um dos casos.

A questão é que a saúde se tornou mais complexa. A tecnologia impôs um novo padrão biológico humano e trouxe ganho, mas ao mesmo tempo sofisticou o grau de participação dos diferentes processos adotados. A ação instrumental mudou o papel das estruturas físicas, instituindo necessidades de recursos humanos e de infra-estrutura muito diferenciados. Temos hoje um cenário que necessita de muito mais gente com maior expertise. Isto, em extremo, pode levar a abusos ou mesmo a um aumento incontrolável dos custos alocados para sua sustentação. Economias de todos os países, mais ou menos produtivas, se preocupam muito com este novo e já antigo desafio. Como manter um sistema que dê suporte a um direito social como a saúde, considerando-se a eqüidade, a universalidade e a integralidade das ações?

A oferta de equipamentos de tecnologia mais avançada, como mamógrafos e tomógrafos computadorizados, cresceu em todo o País. No entanto, apesar da redução da desigualdade, a distribuição regional de recursos permanece desproporcional. As Regiões Norte e Nordeste ainda têm índices (número de equipamentos por habitantes) abaixo dos sugeridos pelo Ministério da Saúde. O número de médicos por mil habitantes também é desequilibrado: 0,82 no Nordeste e 2,28 no Sudeste.

Incorporar uma nova tecnológica, mesmo que para superar o hiato regional existente, significa avaliar os investimentos, as vantagens e o potencial de atendimento, tendo sempre como diretriz central que o paciente é o principal beneficiário, e não a indústria. Afinal, a inovação tecnológica deve estar a serviço do homem, e não este a serviço dela.

Muito se fala sobre a qualidade e pouco se define acerca de seu espaço e de sua importância no âmbito da sustentabilidade. Que os princípios constitucionais sejam pétreos, isso não se discute. Entretanto, como viabilizá-los? As questões da qualidade têm sido debatidas em nosso meio desde o início da década de 90. Nascem com processos de documentação que permitem o levantamento de dados que, ao serem transformados em informação, geram conhecimento para ações de melhoria permanente. E dentro deste prisma a palavra-chave passa a ser valor. Numa referência ao Institute of Medicine dos EUA - que estimou em mais de 98 mil as mortes anuais provocadas por erros no processo assistencial -, fica implícito que valor se reflete em eficiência, efetividade, atenção focada, cuidado contínuo e, sobretudo, segurança para o paciente. Portanto, cada novo insumo, pautado nestas questões, deve ou não ser avaliado à luz do valor gerado?

Trabalhar eficiência do gasto, como tem defendido o ministro da Saúde, implica uma gestão que considera o crescimento exponencial impulsionado pelo envelhecimento da população. Hoje, no Brasil, a participação do gasto público no total de gastos na saúde é de 45%, com gasto per capita inferior ao da Argentina ou do Chile. O custo tenderá a crescer e pode atingir 70%; e, próximo ao limite da capacidade orçamentária, exigirá uma gestão dos recursos baseada no valor. Análise balizada em indicações de qualidade, e não somente indicadores econômicos.

Para isso as ações de saúde devem efetivamente ter caráter estruturante. O perfil técnico na sua condução passa a ser fundamental e a governança, a mecânica necessária para lhe dar sustentação executiva.

A saúde certamente será um dos maiores desafios que o Brasil e o mundo terão de equacionar no futuro próximo. Constatar o que temos hoje para encontrar formas de lidar com esse dilema amanhã se faz extremamente necessária diante do cenário que se avizinha. Um dos principais fatores é descobrir como custear a saúde e torná-la mais acessível dentro de uma proposta de eqüidade. É necessário promover maior integração entre os processos, que, atualmente, são excessivamente fragmentados. Temos de dizer não à cultura do desperdício.

Claudio Luiz Lottenberg, presidente da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein, é autor do livro A Saúde Brasileira Pode Dar Certo

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