Título: 'Só quero retomar minha vida e esquecer o medo'
Autor: Costas, Ruth
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/01/2008, Internacional, p. A13
Livres, ex-reféns Clara e Consuelo relatam o dia-a-dia de angústia e privação no cativeiro das Farc
¿Agora, eu tremo toda vez que ouço um helicóptero. Acho que em seguida virá uma rajada de metralhadora¿, disse a ex-refém das Farc Consuelo González de Perdomo na noite de sexta-feira (madrugada de ontem no Brasil), na primeira entrevista coletiva dela e de Clara Rojas desde que foram entregues pela guerrilha ao governo venezuelano, na quinta-feira. ¿Agora vou tratar de retomar minha vida na Colômbia e tentar esquecer os medos.¿
Consuelo foi seqüestrada em 2001, quando era senadora. Nos anos em que esteve em cativeiro, seu marido morreu e sua neta - que ela conheceu há apenas dois dias - nasceu. ¿Quando estava com as Farc, fiquei sabendo que minha filha estava grávida pelo rádio¿, disse, referindo-se aos programas que na Colômbia transmitem mensagens de parentes aos seqüestrados. ¿Uma das coisas que me motivou mais foi (a expectativa de) conhecer a minha neta Maria Juliana¿, completou.
Já Clara não sabe se continuará a morar na Colômbia. ¿Primeiro vou cuidar da minha saúde e da saúde de Emmanuel (filho dela e de um guerrilheiro, nascido no cativeiro) e só depois vou pensar nisso¿, disse, questionada sobre se poderia se mudar para a Venezuela. Ex-candidata a vice na chapa presidencial de Ingrid Betancourt às eleições colombianas de 2002, Clara foi capturada pela guerrilha naquele ano. Ontem, a ex-refém, assegurou não ter notícias do pai de Emmanuel. ¿Ele pode ter morrido¿, disse.
Alternando seus relatos com risadas quase eufóricas (¿Eu renasci, não tenho palavras para essa felicidade¿), Clara contou como deu à luz Emmanuel numa cesariana improvisada por dois enfermeiros no acampamento. ¿Fiquei 40 dias para me recuperar. Foi algo muito artesanal.¿ Segundo a ex-refém foi ela quem pediu para que a guerrilha levasse o menino para que recebesse tratamento médico, pois estava com leishmaniose. ¿Eles iriam levá-lo por 15 dias, mas depois eu nunca mais tive notícias dele¿, afirmou.
As duas reféns descreveram como ¿frio¿ o relacionamento com os rebeldes que acompanhavam os reféns. ¿Eles faziam o que tinha de fazer¿, disse Clara. ¿Sorriam quando recebiam ordens para isso.¿ Segundo Consuelo, alguns reféns dormiam acorrentados. Eles procuravam ocupar o dia conversando ou jogando cartas. ¿Não fazer nada aumentava a preocupação e angústia¿, afirmou. A ex-senadora levará para Bogotá, no domingo, provas de vida de oito companheiros de cativeiro, que serão entregues às suas famílias. Alguns estariam muito mal de saúde, de acordo com Consuelo, como o ex-senador Jorge Eduardo Gechem, que teria problemas gástricos, na coluna e estaria sofrendo ¿pré-enfartes com muita freqüência¿.