Título: 'Agricultura é arte de empobrecer alegremente'
Autor: João Domingos
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/01/2008, Economia, p. B9

No agreste pernambucano, o produtor José Lima `vive no parece, no parece que vai chover¿

No leito da barragem seca em sua propriedade de oito hectares no povoado do Caldeirão, em Caruaru, a 165 quilômetros do Recife, José Lucas de Souza acredita estar a solução para a seca que aflige a sua família e a região. Um pequeno buraco com um pouco de água, onde abelhas vão matar a sede, fornece, segundo ele, quatro latas de água diárias e poderia resolver o problema da falta de água.

¿Se Deus permitir, ainda vou arranjar dinheiro para fazer um poço aqui e então derrubo as paredes da barragem¿, diz ele. A barragem encheu em 2005, quando teve chuva boa, mas está seca desde 2006. Ele não acredita no que dizem os agrônomos sobre o solo cristalino da área e nem dá trela às informações técnicas de que um poço artesiano no local, ao custo de R$ 12 mil, provavelmente vai encontrar água salinizada. ¿Um dia ainda faço¿, diz.

Enquanto não surge uma circunstância que torne seu sonho realidade ou frustração, Souza viu, mais uma vez, em 2007, os plantios de milho e feijão se acabarem por falta de chuva. Por ter plantado em uma área alta, ainda conseguiu colher quatro quilos de feijão, que guardou para plantar ¿assim que ouvir uma trovoada¿.

Os vizinhos de Souza vivem situações semelhantes. Nenhum outro, porém, conseguiu um punhado de feijão. ¿Desde 2006 fiz três tentativas, a gente planta e não colhe¿, diz José Lima. Uma barragem que acumula 30 mil metros cúbicos de água nos períodos de boas chuvas lhe permitia fazer o plantio irrigado. ¿Em 1996 começou o desmantelo, de lá para cá só quebradura¿. Ele bombeava água da barragem e a levava, encanada, para os plantios. Desde então a bomba, mangueiras e canos estão sem uso.

Sem perder o bom humor, ele repete a frase de um professor de agricultura paraibano, já falecido: ¿A agricultura é a arte de empobrecer alegremente¿. Lima completa: ¿A gente vive no parece. Parece que vem chuva, parece que em fevereiro o inverno vem; a gente tem sempre esperança¿.

A dificuldade vivida pelos pequenos agricultores do Caldeirão, onde apenas plantas como jurema, juazeiro, xique-xique e algaroba dão um tom de verde à aridez, repete-se em todo o semi-árido nordestino. As perdas das culturas de subsistência variaram de 50% a perto de 100%.

A Bahia, único Estado nordestino forte produtor e fornecedor de feijão para o Nordeste, só terá o balanço da frustração do produto na região do Irecê no dia 18, segundo a Secretaria estadual de Agricultura. O chefe de Informação de Mercado Agrícola da Ceasa do Recife, Marcus Antonio Barros, antecipa, porém, que a estiagem abalou a produtividade do feijão baiano. ¿Fala-se em 20%.¿

No Piauí, a seca é considerada a pior dos últimos 20 anos. Atingiu perto de 1 milhão de pessoas em 150 dos seus 223 municípios. No Ceará, o Programa Garantia Safra foi o que amenizou as perdas dos pequenos agricultores em 141 municípios em situação de emergência. ¿Teve agricultor com perda de 80% da safra¿, informou a Coordenadoria de Defesa Civil estadual.

Links Patrocinados