Título: O vôo da economia dos EUA
Autor: Macedo, Roberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/01/2008, Espaço Aberto, p. A2

As notícias que na terça-feira vieram desse vôo assustaram as bolsas de vários países, em particular a brasileira. Fortes quedas seguiram-se ao anúncio, pelo Citigroup, de um grande prejuízo no quarto trimestre de 2007, no valor de US$ 9,83 bilhões, depois de uma baixa contábil de US$ 18,1 bilhões de perdas no mercado de financiamentos imobiliários de segunda linha (os 'subprime').

Também houve notícias ruins na frente inflacionária, com o núcleo de um índice de preços ao produtor (lá conhecido como PPI), avançando em dezembro além do esperado, ao mesmo tempo que as vendas no varejo recuaram no mesmo mês. Nos dias anteriores, também sobre dezembro, já haviam surgido outras más notícias, como a maior insolvência nos cartões de crédito, o aumento do desemprego e o agravamento de um índice muito influente, o ISM, baseado em sondagem sobre o setor industrial, a partir de opiniões de gerentes de compras das empresas.

Tudo isso acentuou o temor de uma recessão na economia dos EUA, arranhando as previsões predominantes de que, depois de voar bem alto por vários anos, ela reduziria sua taxa anual de crescimento de forma suave, para um pouco abaixo de 2%.

Como sempre, o noticiário privilegiou as novidades e seus aspectos negativos, em particular nas manchetes, mostrando como é arriscado se guiar por elas. Por exemplo, uma dizia que os EUA já estão ou entrarão em recessão, citando Alan Greenspan, ex-presidente do banco central norte-americano (Federal Reserve, o Fed). Fora do cargo, hoje ele fala sem o mesmo freio que aquela posição lhe impunha. Mesmo assim, no texto da matéria há um 'provavelmente', e ele começa afirmando que a probabilidade de recessão subira para 50% em dezembro. Com os novos dados, ainda a via perto disso, mas 'provavelmente mais para cima do que para baixo'. Ou seja, se a recessão mostrasse sua cara num lado da moeda, ele estaria mais propenso a apostar nesse lado, mas sabendo que no jogo permanece alta a probabilidade de dar coroa.

Esta ainda se sustenta por outras notícias. Assim, nos próprios jornais de ontem, ainda que não nas manchetes, havia informações de que o Citigroup era o que estava em pior posição nos 'subprimes' e que resultados de outros bancos, a serem divulgados no mesmo e nos próximos dias, mostrariam resultados melhores, o que já foi confirmado ontem no caso do J.P. Morgan. Ademais, no total de 2007, o Citigroup mostrou um lucro líquido de US$ 3,62 bilhões e vai distribuir dividendos, bem menores que os de 2006, mas mostrando sua força ao absorver um prejuízo da magnitude citada. Pondero também que o mau resultado diz respeito ao passado. Olhando o futuro, sabe-se que receberá um aporte de R$ 14,5 bilhões de investidores, com o que se capitalizará para novas operações, certamente mais seguras depois desse tombo.

Quanto às vendas de dezembro, sabe-se que foram particularmente afetadas pelo mau desempenho das de material de construção, o que era esperado em face das dificuldades do setor imobiliário, e que houve estabilidade se tomado em conta o último bimestre do ano.

No plano macroeconômico, tudo indica que na sua política monetária o Fed vai novamente reduzir a taxa básica de juros, e que suas medidas e as de outros bancos centrais dos países mais afetados pela crise, até aqui se têm revelado eficazes para administrá-la. Na política fiscal, sabe-se que o governo dos EUA já cogita de medidas para estimular a demanda. E, no que diz respeito à taxa de câmbio, a desvalorização do dólar vem levando ao aumento das exportações, o que ajuda a aliviar as dificuldades por que passa o setor de construção e o seu impacto negativo sobre o PIB americano.

Ou seja, além dos graves sintomas da crise, também é preciso estar atento ao que se faz ou se fará para cuidar dela, bem como às reações próprias de uma economia que, embora doente, é muito forte na sua natureza e muito grande e diversificada na sua estrutura, o que oferece um amplo espaço para reações saudáveis.

Em síntese, a percepção é a de que as probabilidades ainda apontam para um cenário em que a economia americana perde força e passa a um vôo de menor altitude e velocidade, mas ainda sem problemas capazes de levá-la a um pouso antecipado e muito menos a um desastre.

Quanto ao Brasil, com a globalização mostrando seu lado financeiro muito mais amplo e ágil que os demais, a Bolsa daqui e a de outros países é mais sensível aos ventos que vêm de fora e a perspectiva é de que continuará oscilando em torno do ponto alto a que chegou, em particular subindo com quedas de juros nos EUA e caindo com más notícias sobre a economia americana. Nosso PIB, entretanto, é muito mais dependente da globalização comercial, que, embora não tão rápida, oferece sustentação mais firme, pois alcançou os países emergentes, em que desponta a China. Esse grupo tem mostrado vigor em suas próprias forças, tornando seus países muito menos dependentes dos EUA. Assim, permanece a perspectiva de um reduzido impacto da crise americana no PIB brasileiro, trazendo sua taxa, prevista em mais de 5% ao ano no ano passado, para um pouco abaixo desse número em 2008.

Voltando à Bolsa, além de não se assustar com oscilações, o investidor precisará se contentar, como nas aplicações ligadas à taxa de juros, com ganhos não tão grandiosos como os ensejados no passado. O próprio mercado acionário se aprimorou como instituição, os resultados das empresas melhoraram com o desempenho da economia internacional e o da brasileira, os investidores nacionais e internacionais perceberam esse novo quadro e os primeiros a fazê-lo tiraram o melhor proveito de quem chegou no início ou mesmo no meio da festa.

* Roberto Macedo, economista (USP), com doutorado pela Universidade Harvard (EUA), pesquisador da Fipe-USP e professor associado à Faap, foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda.