Título: Descolamento e descolamento
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/01/2008, Economia, p. B2

Os analistas estão agora testando a hipótese do descolamento. Trata-se de saber até que ponto os países emergentes, como o Brasil, estão ou não vulneráveis à crise do mundo rico, como a que está em curso nos Estados Unidos.

Essa hipótese pressupõe o modelão anterior, que é o de contágio inevitável. Ao longo da década de 90 ela teve duas versões: se o problema era nos Estados Unidos, dizia-se que o resto do mundo pegava pneumonia a cada espirro americano. E se a crise tinha como epicentro um país emergente, como México, Argentina, Brasil, Rússia ou qualquer tigre asiático, dizia-se que o resto do mundo em desenvolvimento estava exposto ao contágio.

A idéia agora é a de que os emergentes conseguiram certa imunidade em relação ao que se passa no mundo rico. De um lado, não dependem tanto de suas exportações para manter o giro da máquina porque o consumo interno passou a dar conta do que antes tinha de ser exportado. De outro, conseguem produzir em conjunto mais acréscimo de riqueza do que os países industrializados.

Ainda ontem, o presidente Lula entendeu que devia avisar que o governo federal está monitorando cuidadosamente o que acontece lá fora para tomar providências que eventualmente se fizerem necessárias para neutralizar os efeitos negativos sobre nossa atividade econômica. E o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, preferiu repetir o discurso de que o sistema imunológico da economia brasileira apresenta grande robustez e está perfeitamente capaz de enfrentar o ataque de vírus poderosos. Enfim, é outro jeito de dizer que o descolamento é verdadeiro e funciona.

Mas é preciso distinguir o descolamento que haveria na economia real, especialmente no consumo e no setor produtivo, e o descolamento que haveria no mercado financeiro. Este está fortemente globalizado, os investidores americanos estão montados em pesadas carteiras de títulos do resto do mundo e a volatilidade que ocorre por lá fica inevitável também por aqui. Enfim, não se pode garantir que a economia esteja livre das turbulências do mercado financeiro. Mas a conversa pode ser outra se o foco passa para a economia real.

Na sua edição da semana passada, a revista The Economist, uma das mais respeitadas revistas semanais do mundo, chamava a atenção para o desmascaramento de um mito: o de que a economia chinesa seja excessivamente dependente de suas exportações. Um estudo feito pelo economista Jonathan Anderson, dos quadros da União de Bancos Suíços (UBS), demonstrou que as exportações chinesas estão longe de pesar algo acima de 35% do seu PIB, como se pensava. Ao contrário, refeitos mais cuidadosamente os cálculos, pesam menos de 10%.

Se isso é assim, mesmo que a economia americana entre em recessão e dispense uma boa fatia de importações, o impacto sobre a economia chinesa acaba sendo bem mais ameno. Em termos práticos, a economia chinesa talvez não repita em 2008 o crescimento de 13% que parece ter-se confirmado em 2007, mas pode perfeitamente ser de 9% ou 10%.

E é também o que pode explicar por que os preços das commodities metálicas e alimentícias continuam altos.

Isso sugere que se deva, sim, levar a sério a hipótese do descolamento e da relativa autonomia das economias dos emergentes em relação ao mundo rico.

Confira

Atenção investidores: O ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues avisa que é forte a demanda por terras no Brasil, tanto por estrangeiros como por capitais nacionais. ¿Pode escrever: em cinco anos, os preços estarão pelo menos 100% mais altos.¿