Título: Precisamos decidir cargos até fim do mês
Autor: Rosa, Vera ; Nogueira, Rui
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/02/2008, Nacional, p. A8

Apreciador do famoso bolo-de-rolo, o ministro das Relações Institucionais, José Múcio Monteiro, tem passado os últimos dias apartando o enrosco entre o PMDB e o PT para preenchimento de cargos no setor elétrico. No duelo, levou até estocadas da chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. Não se abalou. ¿Dilma teme que o substituto tenha menos competência que o substituído¿, diz. ¿Mas ninguém é mais Brasil e ninguém é mais Lula do que ela. Então, para o bem do governo, tenho certeza de que a ministra ajudará.¿

Diante dos percalços para a montagem da diretoria de estatais importantes, como Eletrobrás e Eletronorte, Múcio fixou novo prazo para o desfecho das negociações: o fim deste mês. Afirma, porém, que o esforço para concluir a partilha não está ligado ao temor de uma rebelião dos aliados em votações de interesse do governo, como a do Orçamento. ¿Eu não gosto da palavra loteamento. Os partidos desejam espaços políticos¿, ameniza.

O ministro admite que a longa interinidade nos postos de comando - prática rotineira no governo Lula - prejudicou a relação com os partidos da coalizão. ¿A interinidade atrapalha muito, porque estimula ressentimentos¿, argumenta o articulador político do Planalto.

Mesmo com tantos ¿bolos¿ e ¿rolos¿ no ministério, o pernambucano Múcio, que é um devorador de livros, mantém o bom humor. Questionado sobre o que está lendo, responde de pronto: ¿Currículos.¿ Contador de ¿causos¿, não perde a piada nem quando há nuvens no horizonte governista, como os desvios no uso do cartão corporativo. ¿Nuvens de chuva são bem-vindas, porque estamos precisando encher os reservatórios das hidrelétricas¿, brinca. Ele próprio, porém, não é usuário do cartão. ¿Tudo o que precisa de muita explicação é ruim de usar.¿

A líder do PT no Senado, Ideli Salvatti, disse que, se os aliados não ocuparem logo os cargos prometidos, o governo terá extrema dificuldade para aprovar projetos no Congresso, principalmente no Senado, onde a oposição articula a criação de uma CPI dos cartões corporativos. Como resolver o impasse?

Temos de materializar as coisas que foram prometidas. Há coisas que ficaram e não foram resolvidas por discórdias internas, problemas nos Estados. A preocupação da senadora Ideli é pertinente.

Mesmo se evitar a CPI, a saída da ministra da Igualdade Racial, Matilde Ribeiro, resolve o problema do cartão? Não se brinca de transparência no governo, já que até hoje foram permitidos artifícios no uso desse cartão?

Não é o instrumento que toca: é o músico. A mesma faca que corta o pão também mata. Então, o que o governo está fazendo é estabelecer regras. A culpa não é do cartão. Talvez seja da má interpretação do uso. Tudo o que precisa de muita explicação é ruim de usar. É preciso que as regras deixem as coisas extremamente claras, não margem a suspeitas.

O ano começou com várias nuvens no horizonte para o governo: problemas com cartões, desmatamento na Amazônia, ameaça de apagão, fim da CPMF, cortes no Orçamento, crise americana...

Nuvens de chuva são bem-vindas, porque estamos precisando encher os reservatórios das hidrelétricas (risos). Já nuvens políticas são da prática democrática. Dificuldades são naturais e nunca vamos ter céu totalmente de brigadeiro. Neste ano temos o desafio das eleições e, com 14 partidos na base, precisamos não deixar as nuvens atrapalharem.

São 14 partidos se engalfinhando bem antes das eleições. De onde se conclui que pode piorar.

Mas o presidente tem dito que não participará dessas eleições, porque vai respeitar as questões locais. Muitos que são parceiros aqui disputam espaço nos seus municípios.

O Congresso entra em recesso branco a partir de junho. É um ano perdido para a aprovação de projetos como a reforma tributária?

O recesso oficial é de 15 dias, mas, num ano de eleições, há a prática do recesso branco e cada deputado vai cuidar de suas bases. De qualquer maneira, vamos mandar a reforma para o Congresso neste mês.

E o projeto vai ficar lá...

É preciso que as pessoas parem de olhar para o próprio umbigo quando o assunto é reforma tributária. Aqueles que estão reclamando que o governo promete e não envia a proposta vão ver que neste mês isso estará resolvido.

Mas antes disso continuará a pressão para o preenchimento de cargos e liberação de emendas, não?

Precisamos encerrar esse assunto de cargos até o final do mês. Muitas vezes um nome não tem aprovação da maioria dos nossos aliados no Estado, outras vezes no ministério tem algum problema. Então, o trajeto é complicado. Não é assim um passe de mágica. Agora, o governo tem três anos pela frente. Se tivéssemos resolvido isso lá atrás, não estaríamos mais discutindo isso.

A própria base aliada tem dito que pode fazer corpo mole na votação do Orçamento, se os cargos no governo, principalmente no setor elétrico, não forem liberados. O sr. não teme uma nova rebelião do PMDB, por exemplo?

A gente não tem cargos para quatro orçamentos durante o ano. Então, é preciso estabelecer uma resultante dos interesses e ver o que é bom para o Executivo e para o Legislativo.

Dilma tem razão quando tenta evitar o loteamento do setor elétrico, apesar da briga com o PMDB?

Eu não gosto da palavra loteamento. Os partidos desejam espaços políticos. Eles não desejam só ser parceiros do projeto de governo: querem ser parceiros na gestão. Isso é da democracia, de qualquer regime que não seja totalitário. Quando você constitui uma maioria, é preciso ceder espaços. A ministra Dilma é técnica e montou aquele ministério (Minas e Energia) com zelo, competência e carinho. Ela teme que o substituto tenha menos competência que o substituído. Mas ninguém é mais Brasil e ninguém é mais Lula do que Dilma, de maneira que, para o bem do governo, tenho certeza de que ela ajudará nisso.

Monitorando as indicações feitas pelo PMDB...

Ela não tem monitorado. Faço questão de dar meu testemunho, porque despacho com ela quase diariamente e com o ministro Edison Lobão também. Instada a dar uma opinião pela experiência que tem, por ter vivido quase sua vida toda no setor elétrico, a ministra tem sido uma grande colaboradora.

O ex-ministro de Minas e Energia Silas Rondeau foi indicado pelo senador José Sarney. Saiu Rondeau e entrou Edison Lobão, também indicado por Sarney. O que as pessoas não entendem é: por que se deflagra uma discussão interminável sobre cargos se tudo se resume a uma troca de ministro?

Se o ministro Lobão tivesse substituído Dilma em Minas e Energia, nós não estaríamos mais discutindo esse assunto. Silas assumiu no lugar de Dilma e, como em pouco tempo teve problemas, não teve tempo de promover a estruturação do seu ministério. Depois entrou Nelson Hubner, na condição de interino, e só agora estamos verdadeiramente colocando uma pessoa no lugar de Dilma em caráter mais definitivo.

A longa interinidade, então, além de aguçar a disputa por cargos, prejudica o governo e atrapalha a relação com a base aliada?

A interinidade atrapalha muito porque estimula ressentimentos. Num determinado momento, essa interinidade precisa ter fim. Esse é o grande problema da reeleição. Você substitui pessoas que nomeou, porque o governo é o mesmo, mas as forças políticas são outras.

O sr. já disse que o símbolo desse ministério é o bolo-de-rolo, porque aqui tem rolo e bolo. É possível fazer articulação política sem rolo?

Nós somos o ministério da articulação: intermediamos o que se deseja com o aquilo que é possível.

Como se pode mudar o custo da política brasileira e diminuir o peso da fisiologia?

Eu acho que já diminuiu bastante. Acho que as coisas hoje são feitas mais às claras, graças a Deus.

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