Título: Governo prepara regulamentação do mercado de cartões de crédito
Autor: Fernandes, Adriana; Nakagawa, Fernando
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/02/2008, Economia, p. B4

Setor é o 1.º em ranking de reclamações, movimenta mais de R$ 180 bilhões por ano e não tem regras específicas

Depois da regulamentação das tarifas bancárias, os cartões de crédito estão na mira do governo. Número um, em 2007, em queixas registradas no Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor (Sindec) - que reúne informações de 88 cidades -, os cartões de crédito estão sendo acompanhados por um grupo de trabalho formado pelo Ministério da Fazenda, Banco Central (BC) e pela Secretaria de Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça.

Esse grupo começa a estudar o comportamento do mercado e a forma de atuação das administradoras de cartões de crédito, com foco no consumidor, para avaliar a necessidade de criação de um marco regulatório.

Apesar dos mais de R$ 180 bilhões movimentados anualmente pelos quase 100 milhões de clientes de cartões no Brasil, a atividade não tem regras específicas. O BC não se considera totalmente responsável porque parte das administradoras de cartões não é considerada instituição financeira. Também há desarranjo regulatório em relação às responsabilidades dos bancos que oferecem aos clientes cartão com bandeiras de terceiros e atritos na relação entre administradoras e lojistas.

O aumento, em janeiro, do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) expôs ainda mais os problemas dos clientes de cartão de crédito, como a falta de informações sobre a forma de parcelamento das compras no boleto de cobrança. As explicações oficiais sobre o impacto do aumento nos cartões revelaram que, mesmo cidadãos com bom acesso à informação, desconhecem regras que têm impacto em seus bolsos.

A confusão ocorre porque o cartão gera dois serviços distintos. Quando o cliente faz compras à vista e paga a fatura em dia, há uma prestação de serviço. Nesse caso, o BC - que regulamenta as atividades financeiras - não exerce nenhuma influência. Mas quando o cliente não paga a fatura em dia ou há parcelamento com juros, há uma operação de crédito. Nesse caso, o BC regulamenta todas as transações. Como existem as operações em que a autoridade monetária precisa acompanhar, há regras do BC para as administradoras.

O BC estabelece condições rigorosas para a abertura de empresas, manutenção de capital mínimo e exposição a riscos, por exemplo. Mas o mesmo rigor não é visto quando o tema é a relação do setor de cartões com o consumidor. Na área de serviços ao cidadão na página do BC na internet, o texto é claro: ¿Reclamações sobre cartões de crédito deverão ser encaminhadas à Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça ou às suas representações nos Estados (Procon ou Decon)¿.

Procurado pelo Estado, o BC esclareceu que recebe reclamações referentes a cartões de crédito quando eles são emitidos e administrados por instituições financeiras. Com o esclarecimento, anunciou que a informação na página do banco na internet será corrigida.

¿Há um vácuo na regulamentação¿, admitiu o secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa. Ao preparar, no ano passado, a regulamentação das tarifas bancárias, o governo deixou os cartões de crédito para uma segunda etapa por causa da peculiaridade e complexidade do setor. A indústria do setor é muito fragmentada.

Atividades como a emissão dos cartões, coleta de dados e processamento das compras são feitas por empresas distintas. Isso aumenta a confusão. Segundo Barbosa, o trabalho do grupo está começando e, por enquanto, é prematura uma indicação da necessidade de um marco regulatório. ¿Não podemos falar de culpados no começo do trabalho¿, ressaltou.

Para a diretora-adjunta do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC) da SDE, Juliana Pereira, o aumento da oferta de crédito e o maior acesso da população de baixa renda ampliaram as reclamações aos Procons. Segundo Juliana, isso ocorreu depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou que o Código de Defesa do Consumidor vale para a área financeira.

Levantamento do DPDC com base em amostragem dos registros do Sindec revelou que 40% das reclamações são demandas de clientes da classe D. De 2006 para 2007, os cartões subiram do segundo para o primeiro lugar nas demandas no Sindec, trocando de posto com o aparelho celular. As maiores reclamações referem-se a cobranças indevidas, envio de cartões, rescisão contratual e dificuldade de cálculo de juros e envio do cartão sem autorização.

AUTO-REGULAÇÃO

Com a movimentação do governo, as empresas de cartões de crédito decidiram se antecipar e preparam uma proposta de auto-regulamentação. O principal temor é que mudanças nas regras interrompam a forte expansão desse meio de pagamento no Brasil. O plano deve ser apresentado ainda neste semestre. A idéia é padronizar os procedimentos de uso e administração do cartão de crédito.

¿Embora a maioria do código já seja uma prática adotada pela indústria, pode haver uma ação diferente por um ou outro emissor, o que afeta a imagem de todo o setor¿, disse o diretor da Associação Brasileira de Cartões de Crédito (Abecs), Antonio Rios.

Pelo cronograma da entidade, o texto deve ser ajustado e aprovado pelas empresas até o fim do semestre. Antes, deve ser apresentado ao governo, informou o diretor da entidade. Apesar de estarem trabalhando na proposta, as administradoras avaliam que a falta de regulamentação não tem atrapalhado. ¿Se a gente analisar o mercado nos últimos cinco anos, temos apresentado crescimento vigoroso, com taxas superiores a 20% ao ano. Isso nos leva a crer que o arcabouço legal existente já é suficiente para permitir um crescimento saudável do setor¿, disse Rios.

A iniciativa de auto-regulamentação surgiu quando propostas de regras para o setor começaram a ecoar mais fortemente. ¿Algumas propostas foram feitas por pessoas com pouco conhecimento do setor. Em alguns casos, o tabelamento de taxas inviabilizaria o negócio. Isso engessaria o setor e o custo poderia ser repassado ao cliente¿, diz o dirigente de uma das maiores administradoras de cartões do Brasil, que pediu para não ser identificado.

Uma das propostas mais polêmicas é do senador Adelmir Santana (DEM-DF). Ligado ao comércio, ele tem uma série de projetos em tramitação - desde a unificação das máquinas de leitura dos cartões até permitir preços diferentes para pagamentos em dinheiro e cartão.

Para o gerente jurídico do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec),Marcos Diegues, a legislação brasileira é boa, mas não é cumprida.