Título: Crise dos EUA pode ajudar a conter inflação
Autor: Chiara, Márcia De
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/02/2008, Economia, p. B5

Para analistas, as cotações de commodities já começaram a perder fôlego, o que deve segurar a alta dos preços dos alimentos no Brasil

A crise que afeta a economia americana não é foco de preocupação de analistas especializados em inflação. Eles acreditam que a desaceleração dos Estados Unidos poderá ter efeitos benéficos para a inflação no Brasil e no mundo, com a perda de fôlego dos preços das commodities, que já começou a ocorrer. A possibilidade de uma repentina valorização do dólar em relação ao real que impulsionaria os índices de custo de vida, como ocorreu em crises recentes, é cenário pouco provável, segundo os analistas.

¿A crise americana vai até favorecer a inflação no País e no mundo¿, afirma o economista Heron do Carmo, que durante 20 anos acompanhou de perto o Índice de Preços ao Consumidor da Fipe e hoje é professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA/USP). Ele espera que o Índice Geral de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) feche o ano em 4%.

Heron argumenta que a crise americana deve reduzir a demanda no País e no mundo e tirar o ímpeto de alta de preços das commodities. No caso do Brasil, as commodities agropecuárias foram as vilãs da inflação em 2007 e responderam por quase metade do IPCA, que acumulou alta de 4,46%.

Essa avaliação é compartilhada pelo coordenador de Análises Econômicas da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Salomão Quadros. ¿Desde que a crise americana não seja prolongada, seu efeito para a inflação será benéfico¿, diz o economista. Ele lembra que as cotações das commodities, que representavam um risco para inflação até um ou dois meses atrás, agora poderão ser favoráveis, levando-se em conta a desaceleração da demanda mundial por esses produtos e, por tabela, o arrefecimento dos preços.

DÓLAR EM ALTA

Tanto Heron quanto Quadros não vislumbram, no curto prazo, um cenário de risco para a inflação por causa de uma expressiva subida do dólar. ¿O câmbio não vai desandar como em outras crises¿, diz Heron, já considerando uma ligeira valorização do real. Ele sustenta essa previsão baseado num cenário ainda positivo para a balança comercial. Além disso, diz que existem fatores favoráveis à entrada de capitais externos, como as taxas de juros reais elevadas e o cenário atraente para investimentos estrangeiros em energia e infra-estrutura.

Heron acrescenta que o impacto de uma elevação do dólar para os preços domésticos não é tão forte assim. Na mudança do regime cambial em 1999, por exemplo, esperava-se uma inflação ao consumidor de 40%, mas ela acabou sendo de 12%.

Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, não chega a falar num impacto favorável da crise americana nos índices de inflação, mas aposta na neutralidade. ¿A crise americana será neutra para a inflação, por enquanto.¿ Ele também não acredita em uma disparada do dólar e acha que o fluxo de capitais externos para o País será mantido. Segundo ele, os fatores de pressões inflacionárias este ano continuam sendo mais os domésticos, como aumentos de custos de energia, gastos com educação e serviços.

Quadros, da FGV, faz uma análise semelhante. ¿O foco de preocupação com a inflação são os serviços e os preços administrados. As commodities darão um alívio.¿ Os Índices Gerais de Preços (IGPs) subiram 8% no ano passado. Como os IGPs são o parâmetro de reajustes de tarifas, como eletricidade, e de outros contratos, como aluguéis, os preços desses serviços deverão ficar pressionados ao longo deste ano, diz o economista.

¿Não vejo risco relevante de descumprimento da meta de inflação de 4,5% este ano¿, afirma Fernando Sampaio, sócio da LCA Consultores. Mesmo com a crise financeira nos EUA, ele projeta que o IPCA feche o ano em 4%.

A avaliação do economista é de que o dólar encerre o ano em R$ 1,70, e o câmbio deve continuar ajudando a inflação. Ele acredita que o capital externo continuará entrando no País.