Título: Uribe, o líder mais popular da América Latina, desbanca Chávez
Autor: Costas, Ruth
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/02/2008, Internacional, p. A14
O presidente mais popular da América Latina é acusado de ter sido complacente com grupos militares ilegais por muitos anos, pressionou o Congresso a aprovar uma reforma favorável à reeleição - rejeitada antes em referendo - e é chamado pela oposição de autoritário e populista. Não, não se trata de Hugo Chávez, mas de um líder que está no extremo oposto do venezuelano no espectro político latino-americano. O colombiano Álvaro Uribe, sem prometer milagres ou revoluções sociais, tem a aprovação de 81% da população de seu país segundo pesquisa do instituto Gallup.
Aliado dos EUA e defensor da abertura econômica e da redução do Estado, ele passou relativamente incólume por uma série de terremotos políticos - desde a prisão de aliados por associação com grupos paramilitares de ultradireita até agressões recentes do presidente da Venezuela, Hugo Chávez.
A tensão entre os dois cresceu depois que Uribe suspendeu a mediação do venezuelano nas negociações com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Chávez chegou a usar os termos ¿mentiroso¿ e ¿mafioso¿ para referir-se ao vizinho. ¿O governo colombiano foi hábil ao aproveitar essa ofensiva para disseminar a idéia de que ser contra Uribe é ser a favor de Chávez e da guerrilha¿, disse ao Estado Gabriel Murillo, cientista político da Universidade dos Andes.
Desde 2002, quando chegou ao poder, Uribe mostrou-se pragmático. Nunca prometeu resultados instantâneos, mas apenas ¿trabalhar, trabalhar e trabalhar¿. Filho de um grande fazendeiro, formou-se em direito em Antioquia com especialização em administração de empresas na Universidade Harvard. Antes de chegar à presidência, foi senador, prefeito de Medellín e governador.
Capaz de fazer uma declaração calma após um atentado contra sua vida, Uribe sai do sério com deslizes de subordinados e perguntas incômodas de jornalistas. ¿Se te encontrar, te dou um soco na cara, seu maricas¿, disse para um ex-funcionário do governo, numa ligação que foi gravada e caiu nas mãos da imprensa no ano passado. ¿É um presidente que não tolera críticas, nem está acostumado a perder¿, diz María Jimena Duzán, colunista do jornal El Tiempo e autora do livro Assim Governa Uribe.
A inflexibilidade em alguns temas é um de seus traços marcantes. Outra característica é uma certa dose de autoritarismo e a ânsia de consolidar seu legado. Em 2003, por exemplo, promoveu um referendo sobre a possibilidade de reeleição. Foi derrotado, mas com folgada maioria no Congresso, obteve em 2004 a aprovação de uma reforma constitucional introduzindo a mudança. Após 18 contestações na Corte Constitucional, a medida foi validada em 2005.
REDUÇÃO DA CRIMINALIDADE
Em 2006, Uribe foi reeleito com 61,93% dos votos e agora já surgem rumores de um terceiro mandato. O motivo da aprovação é o fato de ter posto em prática a proposta que o levou à presidência em 2002: derrotar militarmente a guerrilha. O projeto não era apenas sua principal promessa de campanha, mas uma obsessão motivada por um drama pessoal. Em 1983, o pai de Uribe, membro de uma família tradicional da região de Antioquia, foi morto quando uma de suas fazendas foi invadida pelas Farc. ¿Antes morto que seqüestrado¿, era o lema de Alberto Uribe Sierra, que tombou com dois tiros.
Felizmente para os marqueteiros de Uribe, o conflito colombiano também é uma das preocupações centrais do eleitorado. Isso porque, há apenas seis anos, as Farc atuavam quase livremente nas grandes cidades do país. Quando Uribe tomou posse em uma cerimônia no Congresso, em agosto de 2002, um ataque com mísseis caseiros nas imediações do prédio matou 19 pessoas.
Hoje, pode-se caminhar com relativa tranqüilidade pelas ruas de Bogotá. Há policiamento ostensivo e o único inconveniente são as revistas, freqüentes na capital. Com investimentos em inteligência e uma ofensiva militar apoiada pelos EUA, Uribe conseguiu empurrar as Farc, que antes controlavam 30% dos municípios do país, para a fronteira e as regiões mais isoladas da selva colombiana. Policiais e funcionários públicos foram enviados para pontos onde o Estado não chegava e um acordo com grupos paramilitares permitiu a desmobilização de 30 mil homens.
Como resultado, desde 2002 os seqüestros caíram de 2.882 para 393, e estradas antes dominadas por grupos armados voltaram para a rota das famílias em férias. É essa eficiência na segurança pública que ofusca os inconvenientes do estilo autoritário. ¿Os anos de conflito fizeram a população relevar ações que, em outro país, poderiam pôr em risco a legitimidade do governo em nome do que é sua grande vitória: a redução da criminalidade¿, diz o analista Carlos Medina, da Universidade Nacional da Colômbia.
Também não deixa de surpreender como o presidente saiu ileso de escândalos. O fenômeno é descrito como ¿efeito teflon¿ - porque nada ¿gruda¿ em Uribe - e talvez sua expressão mais clara seja o caso da ¿parapolítica¿.
DENÚNCIAS
No total, 13 congressistas governistas já foram presos por vínculos com paramilitares, num escândalo que derrubou uma chanceler e chegou até um primo senador. Ainda na campanha, Uribe era descrito como o candidato dos paramilitares, que sempre foram inimigos da guerrilha. No passado, quando era governador de Antioquia, ele apoiou a criação das Convivir - cooperativas de segurança que acabaram dando uma fachada institucional aos ¿paras¿. Até agora, porém, nada ficou provado contra ele.
Outras denúncias o vinculam a grupos narcotraficantes. Segundo a revista americana Newsweek, um relatório de 1991 do Pentágono o descreve como ¿um senador dedicado à colaboração com o Cartel de Medellín nos altos níveis do Estado¿. No início de seu governo, também teve grande repercussão uma biografia não-oficial na qual o jornalista Joseph Contreras, também da Newsweek, o acusa de ter facilitado licenças para aviões dos chefões da droga nos anos 80, quando ele estava à frente do departamento de aviação civil colombiano. Novamente, nada foi provado.
Uribe reconhece que seu pai era amigo do clã dos Ochoa - que fazia parte do Cartel de Medellín -, mas explica que eles tinham em comum a paixão pelos esportes eqüestres, uma tradição em Antioquia: ¿O que nos unia não era o narcotráfico, mas os cavalos.¿
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