Título: Nos EUA, heterodoxia do Fed põe de lado guerra à inflação
Autor: Otta, Lu Aiko
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/02/2008, Economia, p. B5

Receita para combater crise combina juro baixo com gasto público elevado

Fabio Graner

¿Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço.¿ A máxima parece se aplicar aos Estados Unidos de hoje. Ao se depararem com a possibilidade de uma recessão econômica, eles estão deixando de lado totalmente o receituário ortodoxo e partindo para uma política econômica que os desenvolvimentistas brasileiros há anos sonham em implementar: combinação de juros extremamente baixos com uma política de elevação de gastos públicos.

Diante do temor de retração econômica, o Federal Reserve (Fed, banco central americano) abandonou a preocupação com a inflação, que em 2007 atingiu o maior nível em 17 anos, e derrubou os juros. O anúncio ocorreu alguns dias depois de o governo Bush divulgar um pacote de estímulo fiscal de US$ 150 bilhões, até com devolução de dinheiro para os cidadãos.

A receita adotada contraria o que os EUA pregaram como o caminho para o nirvana econômico para os países em desenvolvimento nas últimas três décadas. Por meio de organismos como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (Bird), eles sempre defenderam que os países deveriam adotar políticas de rigor fiscal e não descuidar da inflação.

Para os brasileiros, isso é fácil de lembrar: em 1999, um acordo com o FMI levou o Brasil a adotar metas elevadas de superávit primário (economia para o pagamento de juros da dívida pública) e a implementar o regime de metas de inflação, com uma trajetória rápida de declínio nos índices de preços.

A ¿heterodoxia¿ americana não passou despercebida de integrantes da equipe econômica brasileira, que, internamente, comentaram a ¿contradição¿ entre discurso e prática das autoridades daquele país.

Também fora do governo essa dicotomia foi percebida.

¿A posição dos EUA é exatamente de faça o que eu digo, mas não o que eu faço. O governo americano, tanto pelo lado fiscal como pelo lado monetário, está enfrentando essa crise como se ela fosse causada por um problema localizado, e não por desequilíbrios estruturais que há anos existem por lá¿, diz o ex-diretor do Banco Central Carlos Eduardo de Freitas, fazendo referência ao déficit fiscal e, especialmente, ao saldo negativo nas contas externas do país, de 6% do Produto Interno Bruto (PIB).

Para Freitas, as medidas adotadas vão na direção de aprofundar os desequilíbrios e tornar a economia americana mais frágil no longo prazo. ¿Os Estados Unidos deveriam promover uma diminuição no consumo interno e exportar mais, para diminuir esse desequilíbrio¿, afirmou. ¿Mas uma política de pagar dívida e juros tem um custo elevado. O Brasil fez um ajuste de 6% do PIB em 1982 e o governo militar se desintegrou. Se estou correto em minha avaliação, a política atual dos EUA é populista¿, avalia.

CONFIANÇA NO FED

O economista-chefe do Modal Asset Management, Alexandre Póvoa, avalia como razoável a política econômica adotada nos EUA, porque a considera temporária. ¿Se a política fiscal fosse gerar um déficit de longo prazo, seria ruim. No caso da política monetária, o objetivo é manter ao longo do tempo o equilíbrio entre inflação e atividade econômica. Como algo temporário é válido. Faz parte do arcabouço¿, afirma.

Póvoa considera que, diferentemente do Brasil e outros emergentes, os EUA têm mais liberdade para utilizar essa combinação de política econômica por causa da grande confiança que se tem no Fed. ¿O Brasil ainda está construindo essa confiança e, por isso, tem um grau de liberdade menor.¿

Carlos Thadeu de Freitas, também ex-diretor do BC, afirmou que o chamado balanço de riscos nos Estados Unidos hoje está mais para recessão do que para inflação e, por isso, o Fed está agindo de forma mais agressiva. ¿Uma recessão mais profunda criaria mais problemas. Se houver necessidade, o juro pode subir depois¿, diz. ¿Quando há assimetria de riscos, é preciso afastar o receituário. O Fed pode ser mais arrojado, pois tem mais credibilidade.¿ Sobre a política fiscal, o economista avalia que, se ela for implementada no tempo correto, poderá ajudar a retirar os EUA da recessão. ¿Se ela produzir efeito no tempo errado, quando já estiverem saindo da recessão, pode causar problemas, pois levará a uma alta na inflação¿, diz. Por essa razão, avalia, o Fed deverá ser ¿homeopático¿ na gestão da taxa de juros a partir de agora.

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