Título: FMI dá aval a aumento do gasto público para combater a recessão
Autor: Otta, Lu Aiko
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/02/2008, Economia, p. B5

Declaração de diretor-gerente da instituição provoca novo debate entre `desenvolvimentistas¿ e `monetaristas¿

Lu Aiko Otta

O risco de recessão nos Estados Unidos e a decorrente ameaça de desaceleração econômica em outros países levaram o diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Dominique Strauss-Kahn, a defender que países em boa situação fiscal passem a gastar mais, dando um impulso extra à economia, além do corte nos juros.

É uma recomendação impensável dez anos atrás, quando o mundo foi sacudido por uma sucessão de crises nos países emergentes. Naquela época, cortar gastos, arrecadar mais e acumular superávit nas contas públicas passou a ser sinônimo de boa política econômica.

Para Marcio Pochmann, alinhado aos ¿desenvolvimentistas¿ do governo, a declaração do número 1 do FMI reflete o esgotamento das políticas de austeridade fiscal identificadas com o chamado Consenso de Washington. Para ele, a crise internacional coloca o País diante de duas opções: pisar no freio, elevando os juros e cortando gastos, ou no acelerador.

Para o ex-ministro da Fazenda Mailson da Nóbrega, a recomendação de Strauss-Kahn se aplica aos Estados Unidos, onde a economia está desacelerando. Não é o caso do Brasil, onde o crescimento do consumo preocupa a ponto de o governo haver adotado, na última quinta-feira, um conjunto de medidas para estimular a poupança e conter o crédito. ¿Os Estados Unidos estão entrando em anemia, enquanto nós estamos com problema de obesidade¿, comparou. ¿O tratamento não pode ser o mesmo.¿

¿Seria contraproducente para o Brasil aumentar os gastos públicos¿, comentou o professor Roberto Iglesias, da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro, principal celeiro de economistas do governo Fernando Henrique Cardoso. Na avaliação dele, a recomendação de Strauss-Kahn se dirige a países que têm situação fiscal que permita a ampliação de gastos, o que não é o caso do Brasil. ¿Temos um problema de estoque, pois nossa dívida ainda é alta, e também um problema de fluxo, porque ainda temos déficit nominal.¿

A dívida líquida do setor público brasileiro atingiu R$ 1,150 trilhão ou 42,8% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2007, segundo o Banco Central. ¿Embora esteja em queda, a dívida ainda está entre as maiores do mundo desenvolvido¿, afirmou Mailson. A dívida bruta (que considera também os empréstimos do governo ao exportador, aos agricultores e outros), informou ele, está na casa dos 60% do PIB. Em países considerados grau de investimento, a média é de 30%.

Além de elevada, a dívida segue sendo alimentada pelo desempenho das contas públicas. A arrecadação não é suficiente para fazer frente às despesas do setor público quando se consideram os gastos com juros, o que gera o déficit nominal a que se referiu Iglesias. No ano passado, o déficit nominal foi de R$ 57,926 bilhões, ou 2,27% do PIB.

Por causa da dívida e do déficit nominal, o Brasil não se enquadraria entre os que têm condições de aumentar o gasto público. ¿Também temos um desequilíbrio na Previdência, e, se forem elevadas as outras despesas, vamos piorar a situação fiscal¿, alertou Iglesias.

Elevar os gastos talvez não seja boa idéia nem para os Estados Unidos, segundo o gerente-executivo da Unidade de Política Econômica da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Flávio Castelo Branco.

¿Pode ser uma solução simplista, que mascara problemas estruturais mais graves da economia.¿ Ele concorda que a orientação do FMI não vale para o Brasil, até porque o País já tem uma política fiscal expansionista.

Poucos países em dificuldade teriam condições de ampliar fortemente seus gastos, avaliou o economista Fernando Fix, da Votorantim Asset Management. ¿A Europa tem restrições nessa área, pois a França, a Itália e a Grécia apresentam déficits fiscais altos.¿ Para Fix, a recomendação do FMI não significa o abandono dos princípios defendidos pela instituição no passado recente. ¿Há ressalvas importantes¿, comentou. A primeira é que a flexibilização da política fiscal seja avaliada de país para país. A segunda é que os governos que a adotarem o façam por período curto. ¿Do contrário, podemos ter um problema mais adiante¿, disse. Ele observa que o corte nos juros promovido para reerguer a economia após a crise da Nasdaq, em 2001, está na base da bolha imobiliária que acaba de estourar.

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