Título: Custo do País afasta fabricante de software
Autor: Cruz, Renato
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/02/2008, Ecomomia, p. B8
John Lima, ex-Cyclades, desistiu de contratar programadores no Brasil
Renato Cruz
Há dois anos, os brasileiros John Lima e Daniel Dalarossa venderam a Cyclades, empresa de equipamentos de rede, para a americana Avocent, por US$ 90 milhões. Lima criou, então, uma nova empresa, chamada Coffee Bean Technology, em Pleasanton, na Califórnia. A idéia era montar uma equipe no Brasil, desenvolvendo software para a Coffee Bean, que tem dois projetos de internet. Ele contratou dois programadores em Campinas e, quando foi recrutar um gerente de software, descobriu que saía mais barato um profissional americano, trabalhando no Vale do Silício.
¿No momento, não vamos contratar mais gente no Brasil¿, afirmou Lima, decepcionado. ¿Tínhamos planos de contratar mais três profissionais no curto prazo.¿ O empresário planejava implementar na Coffee Bean a mesma estratégia que usou com a Cyclades: manter uma equipe de pesquisa e desenvolvimento no Brasil para atender ao mercado global, aproveitando o conhecimento técnico existente no País, com custos mais baixos.
¿O País precisa de uma reforma fiscal e trabalhista¿, disse Lima. ¿O Brasil não consegue bater em custos de mão-de-obra de engenharia de software nem comparado com os Estados Unidos.¿ Em um levantamento que fez, descobriu que os salários de programadores com menos experiência ainda são mais baixos no Brasil, mas que o mesmo não ocorre com profissionais mais qualificados.
Nos números levantados por Lima, o pagamento anual de um gerente no Brasil (incluindo férias, décimo terceiro e custos no caso de demissão) pode ficar em US$ 147,5 mil, comparados a US$ 105,2 mil nos EUA. Um diretor pode ganhar US$ 126,1 mil no Vale do Silício, menos que o gerente de Campinas.
¿Esses números não incluem benefícios como vale transporte, vale refeição, plano de saúde e seguro de vida, que no Brasil podem representar 30% a mais de pagamento indireto¿, afirmou o empresário. ¿Os custos fiscais que incidem sobre a folha de pagamento são de aproximadamente 70% no Brasil e de 25% nos EUA, incluindo previdência privada. A política atual prejudica a participação do País no mercado de software, pois esses custos tiram o incentivo de investir no Brasil. A nossa política tributária acaba penalizando o talento de criação de software.¿
Ele destacou a criatividade dos profissionais brasileiros de software e sua capacidade de criar soluções inovadoras. ¿Mas isso apenas tem sustentação num contexto de custos razoáveis e o que estamos vendo não anima¿, disse Lima. ¿Meu sonho com a Coffee Bean é criar dois centros de pesquisa e desenvolvimento, um em Campinas e um aqui no Vale do Silício, mas, por enquanto, vou reavaliando as coisas.¿
A Cyclades, empreendimento anterior de Lima, nasceu numa garagem do bairro de Vila Olímpia, em São Paulo, em 1988, e se tornou uma empresa de sucesso no Vale do Silício, coração americano do mercado de tecnologia. Quando foi vendida, tinha faturamento anual de US$ 60,9 milhões, 350 funcionários e presença em 16 países. O grande diferencial da empresa foi a adoção do Linux, sistema operacional de código aberto, que pode ser copiado, usado e modificado sem o pagamento de royalties.
O empreendedor pretende repetir, com a nova empresa, o sucesso que alcançou com a Cyclades. As condições do mercado de trabalho, no entanto, estão fazendo com que Lima tenha de refazer seus planos.
POLÍTICA INDUSTRIAL
O software foi escolhido como uma das quatro prioridades da política industrial no início do governo Luiz Inácio Lula da Silva. Apesar disso, pouco foi feito de concreto para incentivar a exportação de software e de serviços de tecnologia da informação, como manutenção de sistemas remotos e gerenciamento de servidores. A previsão do governo era que as vendas para o exterior chegassem a US$ 2 bilhões no ano passado. Segundo a Associação Brasileira das Empresas de Software e Serviços para Exportação (Brasscom), foram exportados cerca de US$ 800 milhões em software e serviços em 2007.
Antonio Carlos do Rego Gil, presidente da Brasscom, não comentou o caso específico da Coffee Bean, mas falou do problema dos encargos trabalhistas na exportação de software. ¿De uma maneira geral, o salário médio de um profissional brasileiro é competitivo com os salários médios da Índia¿, disse Gil. ¿O preço é que não é competitivo, pois existe um acréscimo de 100% de encargos sociais e trabalhistas. O Brasil, definitivamente, não é competitivo.¿
Uma das missões da Brasscom é apresentar essa situação aos formuladores de políticas públicas e propor soluções para o problema. ¿Estamos falando com todos que têm alguma influência. Até agora, não encontramos ninguém que diga que desonerar a exportação de software e serviços é ruim¿, afirmou o presidente da associação. ¿Poderíamos criar 100 mil empregos em cinco anos.¿ Segundo ele, o fim da CPMF no ano passado tornou mais difícil reduzir encargos trabalhistas. ¿Não tem havido clima para discutir desoneração.¿
INTERESSE EXTERNO
Apesar da falta de política pública adequada, o Brasil tem atraído o interesse de empresas internacionais que buscam uma alternativa aos indianos como fornecedores de serviços de tecnologia da informação. No mês passado, Gary Reiner, vice-presidente sênior e responsável pela tecnologia da informação na General Electric (GE), visitou o País para conversar com prestadores de serviços locais.
Atualmente, as companhias indianas recebem cerca de 90% dos US$ 800 milhões que a GE gasta por ano nesse tipo de serviço. Ele ficou bem impressionado com o que encontrou aqui, mas apontou os encargos trabalhistas como um problema. Gil almoçou com Reiner para falar sobre o mercado brasileiro. ¿Para empresas estrangeiras, a decisão sobre fechar contratos no Brasil é uma questão de preço¿, explicou o presidente da Brasscom. ¿É preciso diminuir os encargos.¿
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