Título: Silêncio de Lula anima Lupi
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Fonte: O Estado de São Paulo, 16/01/2008, Notas e Informações, p. A3

A insistência do ministro Carlos Lupi em continuar à frente de dois cargos, desrespeitando o que determina o Código de Conduta da Alta Administração Federal e desacatando a decisão da Comissão de Ética Pública, que condicionou sua permanência no governo ao afastamento da presidência do PDT, coloca o presidente da República numa situação delicada. Se demitir o ministro do Trabalho, que se recusou a deixar a presidência do PDT, Lula estará contrariando uma das agremiações que compõem a base parlamentar do governo. Se o mantiver no cargo, desmoralizará um órgão que foi criado para moralizar as práticas políticas no País.

A iniciativa da Comissão de Ética Pública, que já tomou várias decisões idênticas no atual governo, todas devidamente acatadas, foi anunciada em outubro de 2007. Mas, em novembro, Lupi recorreu à Advocacia-Geral da União (AGU) e obteve um parecer no qual o chefe do órgão, José Antonio Toffoli, afirmou que, ¿sem adentrar no campo deontológico¿, do ponto de vista ¿jurídico¿ não havia ilegalidade na acumulação de cargos.

Lembrando que a questão não é legal, mas ética, e que a competência da AGU se circunscreve apenas ao exame técnico-jurídico da constitucionalidade e da legalidade das consultas que lhe são submetidas, a Comissão de Ética voltou a recomendar ao presidente da República a demissão de Lupi. Em ofício encaminhado a Lula, o presidente da Comissão, Marcílio Marques Moreira, esclareceu que o que o órgão sugeriu não é uma punição ao ministro, mas uma solução para um conflito de interesses que poderia criar problemas éticos mais sérios para o governo. ¿É uma sugestão de caráter prudencial¿, disse ele.

O passo seguinte de Lupi foi tentar desqualificar a autoridade moral de Marcílio, pelo fato de ele integrar o conselho de administração da American BankNote, uma empresa que confecciona carteiras de trabalho para o Ministério e que estaria se opondo à substituição desse documento por um cartão com chip. A estratégia não deu certo, uma vez que Marcílio, além de ter divulgado nota esclarecendo suas atividades profissionais e deixando clara a disposição de renunciar ao cargo caso Lupi não seja demitido, recebeu a solidariedade dos atuais e dos antigos membros da Comissão da Ética.

Em defesa de Marcílio, o primeiro presidente do órgão, o advogado João Geraldo Piquet Carneiro, criticou o comportamento do ministro do Trabalho em entrevista ao jornal Valor e afirmou que um comportamento legalmente permitido, quando combinado com outros fatores políticos e institucionais, pode não ser aceitável do ponto de vista ético. Segundo Piquet, a acumulação dos cargos de ministro e de presidente de partido é inconveniente, entre outros motivos, porque o exercício das duas funções pode levar a conflitos de interesses.

Em sua coluna no Estado, a jornalista Dora Kramer informa que, enquanto essa polêmica era travada pela imprensa, no Palácio do Planalto se cogitou de preencher às pressas três vagas abertas na Comissão de Ética, que é composta por sete conselheiros, com o objetivo de tentar mudar a decisão tomada, mediante a alteração do equilíbrio interno de forças. Segundo ela, receando que esse ¿golpe de mão¿ se desdobrasse numa crise política, seus defensores acabaram optando por ganhar tempo, apresentando pareceres jurídicos até o término do mandato de Marcílio, em maio, quando ele e os demais integrantes da Comissão de Ética Pública poderiam ser substituídos por pessoas mais ¿alinhadas¿ e ¿flexíveis¿.

É digno de nota, em todos os capítulos dessa novela, que já dura cinco meses, a omissão de Lula. Até o momento, ele não disse uma única palavra sobre o caso, o que é uma atitude no mínimo temerária, já que poderia ser entendida como descaso com relação ao comportamento ético de seus ministros. Não tendo sabido ou desejado tomar uma decisão na hora certa, o presidente agora se vê diante do dilema de preservar a Comissão de Ética, demitindo Lupi e correndo o risco de perder o apoio do PDT no Congresso, ou mantê-lo no cargo e dar um passo atrás no aperfeiçoamento das práticas políticas do País.