Título: Oscilações na Ásia não podem ser ignoradas
Autor: Emmott, Bill
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/02/2008, Economia, p. B19
Consenso entre analistas é de que uma recessão nos EUA não afetará asiáticos. Mas essa idéia pode estar errada
Bill Emmott
É muito bom quando surge um consenso entre os comentaristas econômicos. Haverá uma recessão nos Estados Unidos, dizem eles, e provavelmente na Grã-Bretanha também, pois ambos pecamos com nossa dívida, nossos déficits e nossos preços habitacionais em disparada. Mas o mundo como um todo não sofrerá, pois as grandes economias emergentes da Ásia - China e Índia - continuarão em expansão, apesar de tudo. A notícia de que a produção da China aumentou extraordinários 11,4% em 2007, o maior índice em 13 anos, só reforçou essa impressão.
Quando um consenso é tão claro, sempre é hora de perguntar se ele pode estar errado. Esse instinto contrário foi reforçado em janeiro pelo modo como os mercados de ações asiáticos, entre eles os de Mumbai, Xangai e Hong Kong, reagiram aos mercados dos EUA e da Europa, sofrendo, eles próprios, violentas oscilações. Uma importante referência dessas ações, o Índice da Ásia Emergente MCSI, registrou num momento da semana retrasada uma baixa de 25% em relação ao pico de outubro.
Por que isso ocorreu, se a Ásia continuará a se expandir apesar de tudo? A resposta é, em parte, que os negociantes do mercado de ações são criaturas instáveis, emotivas, e correremos o risco de enlouquecer se tentarmos entender cada um de seus gestos. Mas outra parte da resposta é que o consenso otimista provavelmente está só 50% certo. A metade errada oferece bons motivos para nos preocuparmos com a Ásia.
A metade do consenso que parece correta é aquela que diz que a China, a Índia e os países ao redor não dependem mais das exportações para os EUA nem do capital estrangeiro. As exportações para os EUA representam cerca de 8% do Produto Interno Bruto (PIB) da China e apenas 2% do indiano. Por isso, embora uma grande queda nessas exportações vá ter algum efeito, ele não será paralisante. Aliás, isso já está acontecendo: as exportações chinesas para os EUA estão em queda há vários meses, mas o crescimento geral continua a todo vapor.
A razão é que o capital é abundante e está sendo usado em novos edifícios, estradas, estádios, pontes e aeroportos, entre outras obras.
Nas crises econômicas do passado, os países em desenvolvimento eram atingidos duas vezes: pela perda de seus mercados de exportação no Ocidente e pela retirada de capital por banqueiros e investidores internacionais assustados. Na última década, a situação se inverteu: a China, outras economias asiáticas (embora não a Índia) e os produtores de petróleo árabes foram os fornecedores de capital do Ocidente, e não os receptores.
Uma das estatísticas mais extraordinárias da economia chinesa é que os investimentos representam 45% do PIB - o índice equivalente dos EUA e da Europa Ocidental é de 15% a 20%. Esses investimentos estão sendo financiados pela poupança da própria China. Assim, as perdas do subprime nos EUA, a fraude bancária na França e o pânico em Londres são irrelevantes para os empreendedores em Pequim ou Xangai.
Enquanto esses empreendedores continuarem a investir em novas estradas e prédios, a economia chinesa continuará crescendo. Talvez o declínio das exportações para os EUA e a Europa possa reduzir o índice de crescimento da China de 11,4% para, digamos, 9%. Mas isso continuaria sendo muito bom e ainda significaria que a China oferece um mercado forte para seus vizinhos asiáticos.
Essa é a parte correta do consenso. Ela não se aplica realmente ao rico Japão, pois sua economia doméstica é fraca e, portanto, a perda de exportações para os Estados Unidos vai prejudicá-la mais. As coisas são um pouco diferentes na Índia, que precisa importar capital - ao contrário da China, ela administra um déficit, mas também vive um boom de investimento e, até agora, suas companhias têm tido mais facilidade para levantar capital desde o início dos dramas do crédito, em agosto, à medida que os investidores abandonam os mercados do Ocidente, que lhes causam perdas.
O consenso provavelmente está errado, contudo, na suposição implícita de que essas economias asiáticas não terão seus próprios problemas - problemas que têm alguma ligação com as dificuldades enfrentadas pelos EUA e pela Europa. O principal desses problemas é a inflação.
O aumento dos preços dos alimentos, da energia e de outras mercadorias, provocado em parte pela forte demanda asiática, está por trás das altas taxas de juros e dos temores inflacionários que assombravam o Banco da Inglaterra, o Banco Central Europeu e, até o grande corte dos juros da semana retrasada, o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos). O aumento também é uma grande preocupação para a Índia e ainda mais para a China.
Nos últimos anos, a política da China foi manter sua moeda barata em relação ao dólar a fim de ajudar as exportações. Para fazer isso, seu banco central teve de concentrar a política monetária na moeda e não na inflação doméstica, acumulando vastas reservas cambiais (hoje em US$ 1,4 trilhão, as maiores do mundo) e permitindo que o crédito dentro da China fosse extremamente barato. Daí todo o investimento em construções e, por parte de especuladores, nos mercados de ações chineses. Mas daí, também, a inflação em alta.
Agora, a inflação dos preços ao consumidor passou de 6%. Os salários também aumentam rapidamente. A última vez em que a inflação saiu do controle gravemente na China foi em 1988-89, o que encorajou trabalhadores a unir-se aos protestos estudantis na Praça Tiananmen.
Para evitar qualquer repetição disso, a política governamental começa a mudar. A moeda agora pode se valorizar mais rapidamente em relação ao dólar, reduzindo assim o preço das importações. As taxas de juros estão sendo elevadas. A revalorização provavelmente vai se acelerar e o controle do crescimento do crédito deverá ser mais rígido. O problema é que a bolha de investimento da China poderá então estourar.
O melhor paralelo com a China de hoje é o Japão em 1970. Naquela época, o Japão vinha usando um iene barato para impulsionar as exportações, o capital barato encorajava um boom de investimento e a degradação ambiental motivava protestos populares (lembram-se da doença de Minamata - na verdade, intoxicação por mercúrio?). Então, em 1971, o Japão foi forçado por Richard Nixon a revalorizar o iene e, em 1973, o choque global do petróleo trouxe a inflação. O resultado? Não exatamente um desastre para o Japão, mas uma mudança dolorosa: a revalorização e os custos industriais em alta forçaram a economia a passar da era da motocicleta para a do microchip.
A China enfrenta hoje pressões do mesmo tipo: revalorização da moeda, inflação, dano ambiental. O país agora precisa elevar sua economia a um patamar bem mais sofisticado. Como o Japão mostrou nos anos 70, isso pode ser feito. Mas não será fácil. É por isso que aqueles negociantes de ações na Ásia agiram certo quando ficaram um pouco instáveis e emotivos no mês passado.
*O autor é ex-editor da revista `The Economist¿. Seu novo livro, Rivals - on the power struggle between China, India and Japan (Rivais - sobre a luta pelo poder entre China, Índia e Japão ), será lançado em abril.
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