Título: Jovens se afastam de tradições
Autor: Arruda, Roldão
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/02/2008, Nacional, p. A10

Nhanderu não tem ninguém interessado em sucedê-lo

Os guaranis das regiões Centro-Oeste e Sul do País se dividem em dois grupos: nhandevas e caiuás. Estes últimos são conhecidos pela forte religiosidade. Rezam para plantar, colher, curar doenças, viajar, chamar chuvas, desfazer coisas ruins.

As rezas podem durar dias e são conduzidas pelo nhanderu, o líder religioso, que freqüentemente também é líder do clã familiar. Ao contrário do que acontece com padres e pastores, eles não se formam em escolas, mas na prática, com os nhanderus mais velhos.

A grande tragédia dos caiuás no momento é a falta de interesse dos jovens por essas práticas. ¿Até os 12 anos, o menino gosta de cantar, dançar, rezar. Mas depois começa a ficar com vergonha¿, diz Getúlio de Oliveira, de 54 anos, nhanderu e líder de um clã familiar na aldeia Jaguapiru.

Ele ainda não encontrou ninguém na família interessado em sucedê-lo. Melhor sorte teve Jairo Barbosa, de 55 anos, morador da aldeia Panambizinho e um dos mais respeitados nhanderus da região: Robinson, um de seus onze filhos, rapaz introvertido e de pouca fala, interessou-se pelas atividades religiosas e está sendo preparado para a sucessão.

Uma das tarefas de Robinson agora é ajudar nos preparativos da festa de inauguração da casa de rezas que acaba de ser construída no quintal da casa deles: um galpão com estrutura de madeira, chão de terra batida, sem janelas, coberto com fibras de palmeira e muito fresco. A inauguração será dia 22, com um dia e uma noite de cantos, rezas e danças, regados a chicha - bebida fermentada, à base de milho, levemente alcoólica.

O temor de Jairo é que a casa seja incendiada, como aconteceu em outras aldeias. Para se prevenir, ele já procurou a Funai para dizer que nos últimos dias alguns obreiros pentecostais rondaram sua casa, gritando palavras contra Satanás.

Jairo já foi evangélico. Durante a entrevista, sob o olhar encantado da companheira, Cinha, ele canta, em guarani, um desses hinos: ¿Canto, mas não emociono. Porque não é meu, veio da cultura civil, do estrangeiro. Minha fala é a cantoria.¿

Depois inicia a cantoria, uma reza gutural, com frases repetidas, que ele acompanha com uma maraca. A mulher o segue, batendo no chão de terra um tubo de bambu, com um som surdo. Ao final ele explica que agradeceu a presença de Deus ali, em sua casa, naquela hora.

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