Título: Rebeldes abrem novas rotas
Autor: Carlin, John
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/02/2008, Internacional, p. A18

Droga parte dos portos e aeroportos venezuelanos com a ajuda da polícia

A rota mais direta do narcotráfico das Farc é a aérea. Pequenos aviões decolam de pistas remotas na selva colombiana e aterrissam em aeroportos venezuelanos. Então há duas opções para a droga produzida na Colômbia chegar aos mercados consumidores do Primeiro Mundo, segundo fontes de inteligência. Ou os mesmos aviões leves seguem até o Haiti ou República Dominicana (os EUA dizem que, desde 2006, seus radares detectaram um aumento de três para 15 no número de ¿vôos suspeitos¿ que saem da Venezuela por semana), ou a cocaína é transferida para grandes aviões que voam direto para países da África, como Guiné-Bissau ou Gana, e então segue por mar até Portugal ou a província da Galícia, na Espanha.

Um método tradicional e menos complexo de levar a droga até a Europa é transportar pequenas quantidades usando passageiros de vôos comerciais internacionais - chamados de ¿mulas¿ na Colômbia. O ex-guerrilheiro Marcelo, por exemplo, diz ter participado de ¿oito ou nove¿ missões desse tipo em 12 meses. ¿Agir dentro da Venezuela é fácil¿, diz ele. ¿Os guerrilheiros das Farc estão lá e a Guarda Nacional, o Exército e funcionários públicos lhes oferecem seus serviços. Nunca há trocas de tiros.¿

O ex-combatente Rafael diz ter participado de grandes operações para transportar cocaína por via marítima de portos venezuelanos. Seu posto nas Farc era mais alto que o de Marcelo e ele tinha acesso a informações confidenciais. ¿Você recebia a mercadoria na fronteira, trazida de caminhão¿, conta. ¿Quando o veículo chegava, a Guarda Nacional estava à espera, pois já havia sido avisada e recebido uma propina para deixá-lo entrar na Venezuela.¿

¿Às vezes, eles nos forneciam uma escolta para a próxima fase, na qual eu e outros colegas fazíamos a viagem de 16 horas até Puerto Cabello, na costa oeste de Caracas. Lá, o caminhão entrava num depósito controlado por venezuelanos e por rebeldes das Farc, que eram encarregados da segurança. Funcionários da Marinha venezuelana cuidavam dos assuntos alfandegários e asseguravam a partida dos barcos.¿

Rafael descreve uma rotina similar no porto de Maracaibo, que, segundo fontes policiais, é ¿um paraíso dos narcotraficantes¿. Ali estava - até o fim do mês passado, quando foi morto por um cartel rival - o colombiano Wilber Varela, o Sabão, um dos traficantes mais procurados do mundo. ¿Outros como Varela se instalam em casas impressionantes e compram empresas falidas e terras, transformando-se em figuras de peso para as economias locais¿, diz uma fonte policial. ¿A Venezuela oferece a esses criminosos um seguro de vida perfeito.¿

COMPRA DE ARMAS

Rafael conta que, numa ocasião, viajou de carro com o capitão Pedro Mendoza, da Guarda Nacional, até uma base militar na periferia de Caracas. Ele entrou com o capitão, que lhe entregou oito fuzis, e em seguida voltou para a fronteira com as armas no porta-malas. Segundo Rafael, membros da Guarda Nacional também forneciam às Farc granadas de mão, lança-granadas e material explosivo para bombas. Uma fonte de inteligência confirma que esse comércio ilegal de armas é freqüente: ¿A drogas vão da Colômbia para a Venezuela e as armas, da Venezuela para a Colômbia. O armamento é comercializado em quantidades pequenas, mas de forma constante: cinco mil balas, seis fuzis. É muito difícil detectar tal fluxo.¿

Rafael esteve mergulhado nesse mundo até decidir que era hora de mudar de vida: ¿Em junho e julho, fiz cursos de fabricação de bombas ao lado de membros das milícias de Chávez, as Forças Bolivarianas de Libertação (FBL). Num acampamento na Venezuela, aprendemos a armar vários tipos de minas terrestres, fabricar explosivos e detonar bombas usando telefones celulares.¿

ATENTADO

Ele explica que estava sendo treinado para uma missão em Bogotá. ¿Deram-nos fotos de nossos alvos mas, enquanto a data se aproximava, comecei a refletir e percebi que não poderia continuar assim. Primeiro por causa do perigo dos confrontos militares que tínhamos com o Exército de Libertação Nacional (outro grupo guerrilheiro), com o qual disputávamos o controle das rotas da droga. Segundo porque eu poderia ser pego ou morto pelas forças de segurança. Por isso me entreguei em setembro.¿

¿A verdade¿, afirmou uma fonte policial de alto escalão, ¿é que, se a Venezuela fizesse um esforço mínimo para colaborar com a comunidade internacional, faria uma diferença enorme. Eles não o fazem porque a corrupção é grande, mas também por causa dessa posição `antiimperialista¿ que eles mantêm. `Se isso incomoda os imperialistas¿, pensam , `não podemos fazer nada.¿ A chave para tudo é vontade política. E eles não têm nenhuma.¿

Uma lógica similar aplica-se, segundo uma fonte da área de inteligência, à outra especialidade das Farc, o seqüestro. ¿Se Hugo Chávez quisesse, poderia obrigar as Farc a libertar Ingrid Betancourt amanhã de manhã. Ele diria: `Ou vocês a entregam, ou o jogo na Venezuela acaba para vocês.¿ As Farc são tão dependentes da Venezuela que não poderiam dizer `não¿.¿

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