Título: Eles elevaram a qualidade da carne brasileira. Agora, temem o futuro
Autor: Ogliari, Elder
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/02/2008, Economia, p. B6

Pecuaristas do sul do RS estão apreensivos com duração do embargo europeu, após brecha deixada pelo governo

Elder Ogliari

Reconhecidos como produtores de carne da melhor qualidade, os pecuaristas de Dom Pedrito, no sul do Rio Grande do Sul, estão surpresos com a suspensão das compras pela União Européia (UE), mas não acreditam que a decisão vá provocar estragos em seus negócios. Apesar disso, não escondem alguma apreensão com a duração do embargo.

Se a recusa à lista de fazendas habilitadas a fornecer carne para exportação elaborada pelo governo se estender por alguns meses, eles temem estragos à imagem do produto nacional em outros continentes e a queda de preços no mercado interno, ainda responsável pelo maior volume da demanda.

Ao analisar o caso, os pecuaristas são unânimes em apontar a proibição como barreira comercial não-tarifária imposta pelos europeus a partir de brecha deixada pelo governo brasileiro: a elaboração de listas confusas, com dados contraditórios. ¿Eles estavam loucos para pisar no rabo de alguém e encontraram o dos brasileiros a descoberto¿, diz Frederico Wolf, criador da raça hereford.

¿Eles sabem que a entrada do Brasil no mercado internacional é devastadora, tanto pela sanidade de nosso rebanho quanto pela capacidade de oferta. Por isso estamos diante de uma questão econômica, e não sanitária¿, observa José Roberto Pires Weber, criador da raça angus. ¿Eles se aproveitaram da munição que o Brasil deu¿, complementa Valter José Pötter, criador das raças polled hereford e braford.

Diante do impasse, a perspectiva não chega a ser ruim porque, acreditam os gaúchos, os europeus dependem da compra de pelo menos 300 mil toneladas do Brasil por ano, não contam com abundância de oferta com a mesma qualidade no mercado internacional e, para isso, precisam certificar mais do que 300 fazendas no País.

Os criadores também percebem um mercado interno ajustado, mesmo que já tenham ouvido representantes de frigoríficos falando em baixar preços.

¿Se fizerem isso, nós podemos segurar o gado no pasto por mais tempo e só vender o suficiente para pagar compromissos imediatos¿, afirma Wolf. ¿Além disso, a oferta para abate está baixa nessa época do ano em nossa região.¿

DESCONFORTO

Apesar da aparente tranqüilidade, os produtores não escondem algum desconforto com a situação. ¿É complicado investir e depois ser considerado inapto¿, reclama Wolf. O comentário traz embutida uma referência a uma característica dos produtores de Dom Pedrito e de outros sete municípios. Eles transformaram a região num pólo pecuário graças à percepção das condições naturais propícias à criação de raças britânicas e ao constante trabalho para manejar o rebanho com tecnologia de ponta.

Somados, todos os pecuaristas de Dom Pedrito têm 420 mil cabeças de gado, algo como 3,5% do rebanho gaúcho que, por sua vez, tem 12 milhões de cabeças e corresponde a 6% das 200 milhões de cabeças do rebanho nacional. O Estado responde por cerca de 5% das exportações brasileiras de carne.

Os pecuaristas da região sul do Rio Grande do Sul se orgulham dos números e sobretudo da qualidade, que lhes conferiu a indicação de procedência geográfica Carne do Pampa Gaúcho da Campanha Meridional, uma das quatro existentes no Brasil - as outras são para o vinho do Vale dos Vinhedos (RS), cachaça de Paraty (RJ) e café do Cerrado (MG).

¿As raças britânicas têm maior porcentual de gordura entremeada na carne e mais maciez, por isso são consideradas melhores, basta ver os casos do Uruguai e Argentina que, como na nossa região, têm bases hereford e angus¿, explica Wolf.

A natureza da região, com boas pastagens nativas e variações climáticas adequadas ao cultivo de pastagens exóticas como azevém, trevo branco e cornichão, criou boas condições para adaptação das raças britânicas. Mas a pecuária local chegou ao estágio de ponta graças à disposição dos produtores de investir e de apostar em tecnologia, tanto no campo, para o gado, quanto em áreas de agricultura, que usam em sistema de rotação de culturas.

PRODUTOR DE PONTA

O administrador da Estância Guatambu, Valter José Pötter, é reconhecido como produtor de ponta, daqueles que recebem visitas de técnicos argentinos e uruguaios e de estudantes escrevendo teses acadêmicas em busca de informações sobre seus métodos. A decisão de colocar a tecnologia de ponta na propriedade familiar foi tomada logo que ele se formou em medicina veterinária. Usou a lua-de-mel, nos anos 70, para conhecer métodos de inseminação artificial em fazendas americanas, para melhorar uma prática trazida ao Brasil por seu pai, Walter Germano, em 1958. Sempre atento ao estado da arte da atividade, atualmente usa a inseminação artificial a tempo fixo, que permite programar a época de fecundação e do nascimento dos bezerros, reduzindo os custos de manejo.

De certa forma, Pötter já trabalhava com rastreabilidade desde 1974, quando adotou a cultura de controle da produção, com identificação e observação do ciclo de todos os animais. ¿Ao longo do tempo, aperfeiçoamos a nutrição, manejo e controles sanitários, com permanente trabalho de melhoramento genético¿, relata. ¿Hoje as novilhas vão para a reprodução aos 13 ou 14 meses, e o abate é feito no máximo aos 18 meses, com taxa de desfrute de 40% do rebanho, o que é um índice de primeiro mundo.¿ A Guatambu abate cerca de 2,8 mil animais por ano e tem 40 funcionários.

O abate da Wolf Agricultura e Pecuária chega a 3,5 mil bovinos por ano e também é resultado de muito investimento em alimentação, inseminação artificial e melhoramento genético. ¿Compramos sêmen de touros geradores de todos os lugares do mundo¿, revela o administrador Frederico Wolf.

José Roberto Weber, administrador da Santa Thereza Agricultura e Pecuária, lembra que em 1984 decidiu definir a raça, trocando o gado geral que criava solto no campo, com pastagem nativa, pelo angus, com controle de alimentação, melhoramento genético e inseminação artificial - o método a tempo fixo foi adotado há seis anos.

Os três produtores têm seus rebanhos rastreados há alguns anos, mas prometem evoluir. No sistema atual, há perda de brincos numerados, porque os bois se coçam muito, e erros na transcrição dos dados, porque os funcionários têm de anotar centenas de números, rapidamente, a cada operação de transferência de animais para outras pastagens ou de despacho para o frigorífico.

A solução é a adoção do sistema eletrônico. Para isso, os produtores precisam colocar chips subcutâneos nos animais e adquirir sistemas de leitura e transferência de dados para os registros da própria fazenda, da certificadora, da Secretaria da Agricultura e do Ministério da Agricultura.

A dúvida ainda é como fazer as bases de dados de todos os órgãos envolvidos ¿conversarem¿. O custo é maior do que os cerca de R$ 4 que os pecuaristas pagam pelos brincos atuais, mas há benefícios como registros automáticos, que eliminam muitas horas de trabalho de coleta e transcrição de dados, e confiabilidade total. ¿Vou partir para isso em março¿, adianta Pötter. ¿O futuro é esse, não há como parar de investir¿, complementa Weber.

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