Título: Bancos são o melhor negócio do Brasil
Autor: Racy, Sonia ; Grinbaum, Ricardo
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/02/2008, Economia, p. B9

AQUISIÇÕES: ¿As empresas brasileiras estão caríssimas, e não gosto de comprar nada caro¿

JUROS: ¿As taxas de juros no Brasil são altíssimas. Se não houver competição, elas não vão baixar¿

LULA: ¿O pedido de abertura de banco ficou parado por dois anos. Só andou com a ajuda do presidente¿

Sonia Racy e Ricardo Grinbaum

Depois de passar o carnaval no Brasil, o empresário mexicano Ricardo Salinas está procurando uma casa para comprar em São Paulo. Terceiro homem mais rico do México, Salinas é amigo de muitos banqueiros e empresários brasileiros. Nos últimos dias, circulou por várias cidades brasileiras, acompanhado pelo empresário Mário Garnero. Mas o que vai tornar as visitas de Salinas ao País cada vez mais freqüentes são os negócios. Em março, ele abrirá as primeiras lojas de eletrodomésticos Elektra e filiais do banco Azteca em Recife. O empresário vai começar de maneira modesta para seus padrões. No primeiro ano, serão abertas de 10 a 20 filiais. Mas os planos são ambiciosos. ¿Podemos ter 3 mil lojas e agências de banco no País.¿

No México, Salinas transformou, em duas décadas, uma rede familiar de 55 lojas - criada há mais de 100 anos - em um império avaliado em mais de US$ 10 bilhões. Além de 1,6 mil lojas e agências de banco voltadas para o público de baixa renda, Salinas é dono da segunda maior emissora de televisão do País - a TV Azteca -, uma operadora de telefonia celular e acaba de construir uma montadora de automóveis, em parceria com um grupo chinês, para fabricar carros de US$ 7 mil. Especializado em vender para os mais pobres, Salinas conta que tentou durante dois anos abrir um banco no Brasil, mas só conseguiu a aprovação do Banco Central depois da intervenção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. ¿O melhor negócio no Brasil são os bancos. O segundo melhor são bancos mal administrados¿, disse Salinas, na seguinte entrevista:

Por que o sr. decidiu investir no Brasil?

Porque o Brasil é o maior país da América Latina e tem um mercado impressionante. O potencial é enorme e há muitos empresários bons.

Com quem o sr. conversa aqui?

Com várias pessoas, não só para fazer negócios. O José Safra é um bom amigo. Conheci vários brasileiros na associação de pais e filhos empresários, como o sr. Diniz, do Pão de Açúcar, o Ricardo (Setúbal) e a Milú (Villela), do Itaú, e os Ermírio de Moraes.

O México e o Brasil têm problemas parecidos. Como isso influencia seus negócios?

O México e o Brasil têm o que eu chamo de herança ibérica, dos espanhóis e portugueses, com demasiada regulação e burocracia. Essa herança cria problemas e oportunidades muito parecidas. Para nós, a língua é uma barreira. Mas uma vez que a língua deixa de ser obstáculo, temos muito em comum. A penetração da religião, a mestiçagem - vocês com os negros, nós com os indígenas - são muito parecidas. Assim como a modernidade: a Cidade do México é ultramoderna, como São Paulo.

Os problemas políticos são iguais?

Não me considero um especialista em política, muito menos no Brasil. No México, os obstáculos ao crescimento são basicamente os excessos regulatórios. No Brasil, me parece que é o mesmo.

O México é vizinho dos EUA, o maior mercado do mundo, mas vocês preferiram investir na América Latina. Por quê?

A grande maioria dos meus colegas empresários mexicanos buscou os EUA porque é um mercado grande e estável. Mas lá também tem muita competição e é muito mais difícil fazer as coisas porque já existem muitas coisas feitas. Em compensação, na América Latina não há o mesmo nível de competição e há muito mais necessidade, especialmente na parte do banco e do comércio. Nos EUA, há muitos bancos e muito comércio. Já na América Latina, nem tanto. Por outro lado, sim, estamos fazendo negócio nos EUA. Temos uma cadeia de televisão, a Azteca America, para os hispânicos.

Quais são seus interesses aqui?

Queremos fazer um banco popular, com lojas, como temos no México. O banco financia as vendas da loja, mas também emite cartão de crédito, dá empréstimos pessoais. O banco oferece todos os serviços financeiros tradicionais, mas voltados para o setor popular, que até hoje tem sido marginalizado. Os bancos brasileiros, como o Bradesco, o Itaú e o Unibanco, são competidores muito bons. Mas há um setor que não foi atendido até agora. As taxas de juros são altíssimas. E, se não houver competição, elas não vão baixar.

O Santander chegou ao Brasil dizendo que ia aumentar a competição e as taxas de juros iam baixar. O que aconteceu? As taxas do Santander se equiparam ao mercado. O presidente mundial do banco, Emílio Botín, disse que a cadeia de custos no Brasil não permite baixar as taxas. O sr. acha que é possível baixar as taxas?

Sim. Mas vamos ser sinceros. Enquanto o governo estiver disposto a pagar juros tão altos em termos reais, as taxas nunca vão baixar. Esse é um mercado de oferta e demanda. Se o governo, que é o principal demandante de crédito, está disposto a pagar uma taxa real de 8% ao ano, então, por definição, os poupadores vão emprestar para o governo. Esse é o problema. O governo brasileiro tem de parar de pegar dinheiro emprestado para que as taxas caiam.

O que acontece é que os bancos são sócios do governo. O governo fica com 60% do spread cobrado pelos bancos. O dinheiro sai do Tesouro e volta para o Tesouro...

Por isso, há um dito que usamos. Qual é o melhor negócio do Brasil? Um banco. E o segundo melhor? Um banco mal administrado.

O Banco Azteca não é conhecido no Brasil. Como o sr. pensa em competir com os bancos brasileiros? Pode comprar algum banco?

Nosso estilo não é comprar, é fazer. Vai levar tempo, esse é um negócio para 20 anos. Mas temos de começar algum dia.

E na Argentina?

Estamos num estágio muito avançado do processo para ter banco. Hoje, temos bancos em cinco países: México, Guatemala, Honduras, Panamá e Peru. Vamos abrir no Brasil no final de fevereiro ou início de março.

O sr. tem planos para a Colômbia e para a Bolívia?

Por agora, já temos muito trabalho a fazer.

E na Venezuela?

Não! (risos)

Quais são os planos do sr. para o Brasil?

O Brasil é um país fantástico, é muito grande. No México, temos 1,6 mil lojas e agências de banco. No Brasil, podemos ter 3 mil.

Em quanto tempo?

Muitos anos. O País é muito grande. Vamos começar agora em Recife, é preciso começar com uma semente.

Por que Recife?

Entre outras coisas, porque há menos competição e mais necessidade.

Como será o banco?

É um banco de varejo. Nosso banco tem tecnologia muito avançada, que permite operar com custo muito baixo e dar um serviço muito bom aos clientes. Parece mais um supermercado do que um banco. Por exemplo: identificamos o cliente com a digital num sistema biométrico. Chega com seu dedo e já sabemos quem é. Muito simples e barato. Não é um banco tradicional.

Qual o tamanho do banco Azteca?

O banco Azteca começou há 5 anos e tem 8 milhões de depositantes e 8 milhões de tomadores de empréstimos. Seu perfil é bem mais popular que o Bradesco.

É como se as Casas Bahia tivessem um banco.

Sim, mas as Casas Bahia não têm depósitos. Nós temos.

As Casas Bahia nunca processaram um cliente. E vocês?

Nós também não. Com os valores que lidamos, não é rentável ir à Justiça. Temos 7 mil funcionários para cobrar os inadimplentes.

Quantas pessoas trabalham na rede?

O Grupo Salinas tem 50 mil empregados, incluindo 25 mil pessoas no banco e 15 mil funcionários na Elektra. Nossos depositantes têm uma média de US$ 500 no banco. É muito baixo, mas pagamos as taxas mais altas do mercado. E nossos tomadores de crédito pegam empréstimos de US$ 300, em média, valor também muito baixo. Somos o único banco que não cobra tarifas.

Os banqueiros brasileiros não vão gostar...

As pessoas que vão aos bancos tradicionais não vão mudar para o nosso banco.

Cada loja terá um banco?

Sim, mas teremos dois modelos. Cada loja com um banco. E só o banco.

O sr.tem contato com o presidente Lula?

Claro. O presidente Lula foi o visionário que teve a visão da necessidade de ter um banco popular no Brasil. Definitivamente, o apoio do presidente foi o que fez possível abrir o banco no Brasil, se não o sistema não permitiria.

Ele o convidou ou o sr. o procurou?

Eu o busquei. Há vários anos, ele foi a Davos com sua equipe de ministros e fez uma apresentação impressionante sobre o Brasil, e aí começamos a relação. Fiz um pedido para a abertura de um banco e não aconteceu nada por dois anos. Ficou congelado. Não se sabe por quê... E por meio do professor Delfim Netto fizemos ver ao presidente que não avançava, que estava totalmente bloqueado. Explicamos por que era necessário um banco popular para as classes não bancarizadas. Ele entendeu imediatamente e então...se resolveu.

O sr. teve contato com o ministro Guido Mantega e o presidente do BC, Henrique Meirelles?

Sim, já estive com o sr. Meirelles várias vezes depois que o sr. (Guido) Mantega recebeu instruções do presidente. Tudo funcionou rapidamente. E é assim que deve ser. Porque é realmente uma questão política, pública. Porque, se não há concorrência, então...

O sr. vai abrir um seminário sobre o relacionamento entre empresários brasileiros e mexicanos organizado pelo empresário Mário Garnero. O que deve ser feito para aproximar os dois países?

É uma pena que haja uma certa distância entre os dois países. É uma pena que, havendo empresários tão bons no Brasil e no México, não se conheçam e não se falem mais. Porque há muitas coisas boas a se fazer juntos. Deveríamos ter um acordo de livre comércio entre o Brasil e o México. É óbvio.

O problema é que, em toda negociação o Brasil tem de levar Paraguai, Uruguai e Argentina. O que o sr. pensa do Mercosul?

É o mercado do Brasil. Que bom que tenham um bloco...mas que não deixem entrar e que não deixem negociar com outros é um absurdo, é um isolacionismo não produtivo.

Dizem que o sr. chegou a estudar fazer uma oferta pelas Lojas Renner, Lojas Colombo e Ponto Frio...

Há dois problemas. O primeiro é que nosso estilo é de crescimento orgânico. O segundo é que tudo no Brasil está caríssimo e não gosto de comprar caro. O câmbio está pesando. Um turista encontra tudo caríssimo no Brasil.

O sr. está negociando com a TV Record?

Vamos fazer co-produções. Há uma indústria da telenovela e muito talento no Brasil. Nós veiculamos na TV Azteca três novelas diárias, com três horas de duração, de segunda a sexta. Temos de produzir seis a sete novelas por ano. Os roteiros são muito importantes. Procuramos a Globo, mas eles têm outros compromissos e estamos conversando com a Record. A idéia é pegar os roteiros daqui e produzir no México. E trazer nossos roteiros para produzir aqui. É um intercâmbio.

O sr. poderia virar sócio da Record?

Não está descartado, mas não é uma coisa imediata. É um início de relação.

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