Título: Sobrevivente vai contar em livro a chacina da Candelária
Autor: Jamil, Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/02/2008, Metrópole, p. C7

Obra em inglês será lançada por Wagner Santos em Londres

Há 15 anos, uma chacina no Rio chamou a atenção do mundo para o problema da violência no Brasil e a situação das crianças de rua. Foi em 23 de julho de 1993, na Candelária, e deixou oito meninos mortos. Hoje, apenas um dos atingidos ainda vive bem longe daqui, na Suíça: trata-se de Wagner dos Santos, atualmente com 36 anos. ¿O trauma ainda está presente na mente. Muitas noites não consigo dormir e tenho sonhos horríveis. Acho que isso continuará para sempre na minha cabeça¿, conta.

O sobrevivente agora prepara com ajuda de uma amiga um livro sobre a chacina. A obra será publicada inicialmente em inglês e lançada em Londres nos próximos meses. Uma versão em português será publicada apenas no fim do ano. ¿Vou contar a história da minha vida¿, afirma.

Vida que não teve fim trágico - como a de Sandro Barbosa do Nascimento, outro sobrevivente, que acabou se envolvendo no seqüestro do ônibus 174, no Rio -, mas não deixa de ser dramática. Há um ano, trabalhando de pintor em Genebra, caiu de um andaime e terá de se aposentar com problemas nas costas.

Wagner conta que não era menino de rua e acabou vítima da chacina porque uma viatura policial percorreu a cidade, forçando meninos a entrarem no carro. ¿Lembro de estar andando e ser parado pela polícia. Só depois de algum tempo me dei conta de que algo iria ocorrer. Fui levado à Candelária, assim com outros meninos¿, explica, revelando que só escapou da morte porque se fingiu de morto. ¿Levei vários tiros e tenho ainda duas balas que não podem ser retiradas. Quando vi que estavam matando todos, me fingi de morto. Quando a polícia saiu, me arrastei e foi aí que me socorreram num posto de gasolina.¿

Seu testemunho foi fundamental para prisão e condenação dos envolvidos. Mas, em 12 de setembro de 1994, Wagner sofreu mais um atentado. O governo optou então por colocá-lo no Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas e, em 1998, ele foi levado à Suíça. ¿Até hoje não sei como vim parar em Genebra. Só me lembro que o ministro (da Justiça) José Gregori chegou e disse que eu iria para a Suíça fazer curso de hotelaria e depois voltaria. Mas já estou aqui há dez anos.¿ Nesse tempo, tentou adaptar-se à cidade e foi colocado por ONGs em diferentes trabalhos para poder sobreviver em um dos locais mais caros do mundo. Diz que chegou até a mandar dinheiro que ganhou na Suíça para a família no Rio, mas parou diante da briga que se criava entre as quatro irmãs. Seu último emprego foi de pintor. Mas um acidente de trabalho agora o impede até de andar normalmente. ¿Vou me aposentar por invalidez¿, diz, lembrando que na Suíça o valor pago pelo Estado permite viver com certa tranqüilidade.

Mas, se financeiramente pode sobreviver, Wagner, que tem certas dificuldades para falar por causa de uma das balas que atingiram seu rosto, conta que ainda tem pesadelos freqüentemente. ¿O trauma parece que não vai passar. Isso tudo já ocorreu há muito tempo. Mas continua presente. Já tomei remédios para dormir e nada me faz esquecer daquela noite.¿

O sobrevivente também ataca o governo brasileiro. ¿Sinto-me um pouco abandonado. Não tenho contato com o governo brasileiro e ninguém entra em contato comigo.¿ Já o governo suíço está prestes a dar ao brasileiro um passaporte como autorização para residir permanentemente no país. Wagner mora em um apartamento de Genebra usado para fins sociais, com aluguel bem mais baixo do que os demais cidadãos pagam.

Sobre a violência no Brasil, acha a situação atual mais grave do que a de 15 anos atrás. ¿O crime está mais forte, a violência é maior.¿ E garantiu que não pretende voltar a viver no Rio, ainda que faça visitas, como a do início de 2007. Sua família também o visita em Genebra. O que o deixa mais decepcionado, porém, é a Justiça brasileira. ¿Dois dos policiais que estiveram no local não foram condenados. Esse é o nosso Brasil, um País complicado.¿

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