Título: Epidemia e informação
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/01/2008, Notas e Informações, p. A3

O governo agiu com proficiência e transparência, ao encarregar o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, de fazer pronunciamento em cadeia nacional de televisão, negando o risco de epidemia de febre amarela e desaconselhando a vacinação de quem não viaja ou vive em áreas de risco. Certamente o estoque de vacinas, que é suficiente para cobrir um pequeno aumento de demanda, em razão de casos ocorridos em alguns Estados, não seria suficiente para agüentar uma ¿corrida¿ à vacina em escala nacional, da amplitude da que houve no Distrito Federal, nem seria possível aumentar a capacidade de produção atual de no máximo 3 milhões de doses para 62 milhões de doses, que se estima sejam necessárias em caso de uma ¿corrida¿ nacional.

¿Só procure os postos de saúde se morar ou for visitar as áreas de risco e nunca se vacinou ou foi vacinado antes de 1999¿ - afirmou o ministro Temporão no pronunciamento. Só que a mesma mensagem já havia sido transmitida pelo ministro na semana passada, mas não surtiu o efeito esperado. As notícias de casos em Goiás, São Paulo, Minas Gerais, Paraná e no Distrito Federal já desencadearam, antes de serem todas confirmadas, um grande aumento na busca de vacinação nos postos. Em São Paulo, por exemplo, no final de semana a procura foi 10 vezes maior do que a normal - e os postos dos Terminais Rodoviários Tietê e Barra Funda tiveram de trabalhar domingo em esquema de plantão para atender às filas que se formaram, tendo sido aplicadas cerca de mil doses da vacina.

Embora desde sexta-feira o registro de casos em investigação tenha subido de 15 para 24 e na última semana também tenha aumentado o número de registro de mortes de animais com suspeita de febre amarela - o que poderia ser o primeiro sinal de uma epidemia a instalar-se entre humanos -, até agora só dois casos, do tipo silvestre, foram confirmados, tendo sido cinco descartados. Para reforçar a informação de que não há risco de epidemia, o ministro lembrou que o último caso de febre amarela do tipo urbano ocorreu entre nós em 1942. Temporão informou, por outro lado, que ¿os postos de saúde estão sendo abastecidos e autoridades sanitárias estão preparadas para atender a quem realmente precisa tomar vacina¿. O problema, aí, é saber até que volume irá tal abastecimento e qual será o número de pessoas capazes de decidir que não precisam de vacina. Há o risco de o receio de contaminação tornar-se ¿epidêmico¿, haja ou não riscos reais de epidemia.

Isso porque, se no passado o risco maior em casos de epidemia se devia à falta de informação da sociedade, nos dias de hoje o risco maior em casos de alarme falso sobre epidemia é a velocidade e a amplitude da informação. No início do século passado houve, na capital federal, a chamada Revolta da Vacina, quando a população carioca se rebelou contra a vacinação obrigatória imposta pelo governo do presidente Rodrigues Alves - forma encontrada pelo biólogo e sanitarista Oswaldo Cruz para combater as doenças (especialmente varíola, febre amarela e peste bubônica) que então se alastravam. A revolta se explica pelo grau de desinformação, tão disseminada na época que até Ruy Barbosa, uma das inteligências mais brilhantes da história da República, a apoiou, pronunciando, da tribuna do Senado, um discurso contra a vacinação compulsória, no qual expôs toda a sua ignorância sobre o estágio de desenvolvimento da medicina preventiva da época.

Hoje, com a revolução da tecnologia, as informações de todo tipo, inclusive as científicas e as que dizem respeito à saúde e à higiene estão ao alcance até dos analfabetos. Mas, até por ter fácil acesso às informações de todos os dias que desmoralizam governos ao exporem a facilidade com que costumam enganar o povo, é perfeitamente compreensível a desconfiança da população, quanto a desmentidos oficiais de problemas. E isso vale tanto para desmentidos de risco de apagões como de risco de epidemias. Resta esperar que a população seja capaz de se convencer da ausência de risco com o conhecimento das notícias sobre o número ínfimo de casos confirmados de febre amarela.

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