Título: Os vetos esquecidos
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Fonte: O Estado de São Paulo, 11/02/2008, Notas e Informações, p. A3

Uma das mais auspiciosas medidas anunciadas pelo presidente do Senado, senador Garibaldi Alves, durante a solenidade de abertura dos trabalhos do ano legislativo, foi a de que ele, como presidente do Congresso Nacional, convocará reuniões para a votação de vetos presidenciais. Acumulam-se nos arquivos do Congresso exatos 885 vetos, alguns deles assinados pelo presidente Itamar Franco, que governou em 1993 e 1994. A última sessão de vetos do Congresso foi realizada em 30 de agosto de 2005, há mais de dois anos. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva havia vetado projeto de lei que concedia 15% de reajuste salarial para os funcionários da Câmara e do Senado e, diante da reação negativa dos servidores e de parlamentares, deu o seu aval pessoal à derrubada do veto.

O Congresso Nacional abdica de uma de suas principais prerrogativas quando deixa de apreciar os vetos presidenciais. Do ponto de vista político, é como se atribuísse ao presidente da República a decisão final sobre o processo legislativo. Mas essa não é a única conseqüência grave da omissão. Sem a apreciação dos vetos, fica incompleto o processo de elaboração de leis. Isso porque o veto impede que entre em vigor, no todo ou em parte, um determinado projeto de lei aprovado pelo Legislativo. Mas essa proibição pode ser revogada pela maioria absoluta dos congressistas, nesse caso passando a vigorar plenamente o texto excluído por despacho presidencial.

Quando o Congresso não cumpre essa função exclusiva, além de se diminuir politicamente, cria insegurança jurídica. Imagine-se, por exemplo, o transtorno causado às pessoas e às empresas, em suas relações sociais e econômicas, se, depois de dez anos de vigência de uma lei - que nesse período produziu efeitos jurídicos -, a parte vetada passasse também a vigorar, alterando de alguma forma o objeto da legislação.

Foi para evitar esse tipo de percalço que o legislador maior estabeleceu o prazo de 30 dias, a contar do recebimento da mensagem pelo Congresso, para a votação do veto presidencial. A votação deve ser feita em reunião conjunta da Câmara e do Senado - uma das raras ocasiões em que se reúne o Congresso -, por voto secreto da maioria dos membros de cada Casa. Mas essa determinação é sistematicamente ignorada.

Ao governo não interessa que o Congresso examine as razões e a pertinência dos vetos presidenciais. E por isso não mobiliza a sua base de apoio nem estimula suas lideranças a solicitar ao presidente do Senado a convocação de sessões de veto. À oposição, por sua vez, raramente convém o risco de conceder ao adversário uma vitória parlamentar, uma vez que a derrubada de um veto - dada a exigência da maioria absoluta de votos - é um fato excepcional na atividade legislativa.

Para evitar o que não deixa de ser uma desmoralização do Congresso, o presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, senador Marco Maciel, apresentou um projeto de lei que altera o rito de votação dos vetos. Pela proposta, Câmara e Senado decidirão em sessões separadas, como ocorre com as medidas provisórias (MPs). Se o veto não for votado no prazo de 30 dias, a pauta da Casa onde ele estiver ficará trancada, também à semelhança do que ocorre com as MPs. O projeto foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça em junho de 2006, mas, na votação em plenário, o senador Romero Jucá, líder do governo, apresentou emenda que travou a tramitação do projeto.

Na pauta de 26 vetos que o presidente do Senado pretende submeter ao Congresso inicialmente, figuram pelo menos 4 que podem ser derrubados. Dois referem-se à supressão dos artigos das leis de recriação da Sudene e da Sudam que garantiam o repasse de recursos para os órgãos. Outro retirou da lei de criação da Anac a possibilidade de demissão de diretores por deficiência de desempenho. E o quarto é o veto à chamada Emenda 3, que retirou dos auditores da Receita o poder de autuar empresas que contratam pessoas jurídicas formadas por apenas um profissional. Tudo indica que está se formando, no Congresso, consenso para a derrubada desses vetos, tanto que a liderança do governo anuncia que, nos próximos dias, serão encaminhadas medidas compensatórias para os dispositivos vetados.

A remoção do entulho de vetos que atravancam o Congresso certamente contribuirá para a recuperação da tão abalada autoridade do Legislativo.