Título: O recado que não repercutiu
Autor: Oliveira, Ribamar
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/02/2008, Economia, p. B2

Não mereceu muita atenção da mídia brasileira a reunião realizada em Santiago do Chile, no final do mês passado, na qual representantes do Fundo Monetário Internacional (FMI) alertaram os governos da América Latina e do Caribe sobre os riscos do novo cenário internacional e sugeriram maior controle dos gastos correntes e mais investimentos em infra-estrutura. Ainda repercutiam, no governo brasileiro, as declarações do diretor-gerente do FMI, Dominique Strauss-Kahn, que em Davos, na Suíça, também em janeiro, aconselhou os países a elevarem os gastos para estimular a demanda, contribuindo, assim, para evitar uma recessão mundial.

A proposta de Strauss-Kahn foi recebida por setores do governo brasileiro como um reconhecimento da justeza da política fiscal do País, marcada pela forte e contínua elevação dos gastos públicos nos últimos 12 anos. Embora represente uma surpreendente novidade no discurso habitual do Fundo, a proposta de Strauss-Kahn não se aplica ao Brasil, que vive um momento de demanda exacerbada, que pode colocar em risco o controle da inflação.

É bom lembrar, também, que o diretor-gerente do FMI sugeriu expansão dos gastos dos países ricos ou daqueles com folga fiscal, como é o caso dos países árabes, que acumularam grandes reservas por conta do alto preço do petróleo. Discutiu-se, no governo brasileiro, muito mais o ineditismo da sugestão de Strauss-Kahn do que suas condicionantes e limitações.

Em Santiago, o recado do FMI foi bem diferente. Lá, a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) realizou um seminário sobre política fiscal, que contou com a presença de representantes de todos os governos da região, de representantes dos organismos internacionais, de economistas e especialistas do mercado. O Brasil foi representado pelo secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, e pelo chefe da assessoria econômica do Ministério do Planejamento, Luiz Awazu Pereira da Silva.

A análise do FMI sobre a América Latina e Caribe foi feita pela economista Adrienne Cheasty. Ela elogiou a melhor situação fiscal da região, mas alertou para o fato de que uma boa performance nessa área pode não ser suficiente para enfrentar uma situação econômica internacional menos favorável, como a que o mundo vive hoje. Principalmente pelo fato de que mais de 50% da taxa de expansão do Produto Interno Bruto (PIB) da América Latina e do Caribe dependem do exterior.

Adrienne mostrou que os recentes ganhos fiscais da região estão diminuindo porque os gastos públicos crescem de forma acelerada. No caso da América do Sul e do México, disse a funcionária do FMI, o crescimento real dos gastos ficou perto de 10% em 2007. Embora a economista não tenha apresentado dados específicos sobre o Brasil, vale lembrar que aqui as despesas do Tesouro Nacional aumentaram 14,4% em termos nominais no ano passado, ou 9,5% em termos reais (descontada a inflação).

A funcionária do FMI sugeriu que os países da América Latina e do Caribe controlem as suas despesas correntes, tendo em vista que o aumento das receitas pode desacelerar ao longo do atual processo de crescimento econômico. Com a redução dos gastos correntes, os governos abririam espaço para o crescimento dos investimentos, principalmente em infra-estrutura, o que é considerado essencial para o fortalecimento da expansão econômica. Nesse sentido, pela primeira vez, o FMI defendeu a exclusão dos investimentos das empresas estatais das metas fiscais.

O caminho da exclusão das estatais foi defendido pelo ex-ministro do Planejamento José Serra, atual governador de São Paulo, durante o governo Fernando Henrique Cardoso - à época, a tese encontrou oposição do próprio FMI. Recentemente, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse a este colunista que pediu um estudo à Secretaria do Tesouro Nacional sobre a possibilidade de excluir a Petrobrás do cálculo da meta fiscal.

A sugestão feita pela economista do FMI não abrange todas as estatais, mas apenas aquelas que não representem risco fiscal, ou seja, que tenham sustentabilidade financeira, não dependam de recursos do Tesouro Nacional ou de grandes empréstimos. A idéia manifestada pelo FMI é a de que o investimento público poderá, daqui para frente, ser prioritariamente realizado por empresas estatais.

Com o lançamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o governo Lula parece trilhar esse caminho. Mas o economista José Roberto Afonso, que participou do seminário em Santiago, considera que existe uma diferença entre o discurso do governo e sua prática. ¿A estratégia do governo com o PAC é correta, mas a execução dos projetos ainda é muito baixa¿, disse, ao lembrar que boa parte do aumento das receitas está sendo utilizada em despesas de custeio, transferências e assistência social - gastos que crescem de forma acelerada.

Os investimentos em 2007, embora sejam recorde no governo Lula, ainda foram inferiores aos do último ano do governo FHC, em proporção do PIB. Com a piora do cenário internacional, a ¿prudência¿ nas despesas públicas passa a ser um fator decisivo, na opinião de Afonso. Para ele, a mudança na composição do gasto é a palavra de ordem.