Título: Como compensar a perda da CPMF
Autor: Velloso, Raul
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/01/2008, Economia, p. B2

Na semana passada, mostrei, neste espaço, a importância da Desvinculação de Receitas da União (DRU) e chamei a atenção para o peso da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) na geração dos saldos fiscais elevados dos últimos anos.

Em razão disso, é difícil para alguém que estivesse há algum tempo fora do Brasil entender como o atual governo, com toda a força política de que dispõe, perdeu a batalha pela prorrogação da CPMF. Mais difícil ainda é entender as reações pós-extinção da CPMF. Será que perder R$ 40 bilhões/ano de uma hora para outra não é tão importante assim? Será que a situação fiscal ficou tão tranqüila, a ponto de se ver várias autoridades aparentemente resignadas com a perda? O fato é que a situação fiscal continua complicada, pelas reformas estruturais ainda não realizadas e pela perspectiva de menor queda no custo da dívida pública, diante da freada na queda da taxa Selic.

A perspectiva de forte queda no custo implícito da dívida pública foi abortada pelo efeito conjunto de: a) ameaça de recessão nos EUA; b) pressões inflacionárias em alimentos e outros; c) alto grau, interno, de utilização de capacidade, relativamente à gradual recuperação do investimento privado; d) alto custo da acumulação de reservas internacionais; e) troca de papéis pós por prefixados; e f) perspectiva de reversão na recuperação dos investimentos públicos, que aumenta a probabilidade de gargalos da área de infra-estrutura. Isso põe em risco a execução do grande programa do segundo mandato, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), naquilo que se refere à administração central propriamente dita. Desses efeitos, deve-se descontar, é claro, as vantagens conferidas pelo alto estoque de reservas internacionais e pela reestruturação da demanda externa agora com menos peso da parcela oriunda da economia americana, daí a menor sensibilidade a choques externos. Além disso, deve-se considerar o importante fato de que a taxa de crescimento potencial da economia brasileira vem subindo paulatinamente nos últimos dois ou três anos, basicamente pelo esforço privado, o que ajuda a controlar a razão dívida/PIB.

Registre-se que a resposta governamental à perda da CPMF ainda é precária. O aumento do Imposto sobre Operação Financeira (IOF) e da alíquota da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) do sistema financeiro lembram medidas dos antigos pacotes fiscais em resposta à sucessão de crises externas. No caso da CSLL, há chance de não vingar, na Justiça ou no Congresso, a exemplo do que já ocorreu no passado. O anúncio de corte de gastos por enquanto é só intenção. Falou-se mais no que escaparia do corte (o grosso dos gastos) do que no que seria efetivamente ceifado.

Os esforços da Comissão de Orçamento no sentido de sucessivas reestimativas para cima da receita e o corte de futuras emendas de parlamentares ao projeto orçamentário lembram o que, no passado, se chamava mais propriamente de ¿cortar vento¿. O uso, somente agora, da faculdade permitida por lei de retirar os Projetos Prioritários de Investimentos (PPI) do cálculo da despesa primária pode levar a interpretações desfavoráveis. Para muitos será interpretado como mera queda do superávit primário. Se isso sempre fez sentido, por que não se mudou a metodologia no passado? Uns vão dizer: porque não era preciso. Ora, partindo de que se acredite mesmo nesse tipo de mudança, o ideal seria ela ter ocorrido exatamente quando não fosse tão crucial para o governo.

Como dizem alguns analistas, o fim abrupto da CPMF pode ter sido uma boa opção por ser a única forma de pressionar o governo a cortar gastos. Ainda assim, diante do elevado grau de rigidez do orçamento brasileiro, o governo pode acabar evitando o corte frontal dos gastos correntes. Em conseqüência, veremos à frente o crescimento da resistência do Congresso a qualquer corte de gasto e mais medidas inadequadas para aumentar a arrecadação. Ao final, quem deve mesmo pagar a conta são os investimentos públicos, alvo tradicional dos pacotes fiscais, e, em parte, o superávit primário.

O certo, mesmo, seria o governo ter apresentado um programa factível (digamos, de sete anos) de redução de gastos como o de pessoal (que, junto com Previdência, abocanha 70% da despesa total), com medidas claras e concretas, criando condições para que a extinção da CPMF se desse não abruptamente, mas no médio prazo, isto é, em sete parcelas iguais. Para completar, dever-se-ia ter uma cláusula tal que, se o governo não cumprisse o programa de cortes, aí, sim, a CPMF seria extinta de uma vez só.

*Raul Velloso é consultor econômico

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