Título: Antes do PAC, vamos fazer outra operação no Alemão
Autor: Rodrigues, Alexandre
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/01/2008, Metrópole, p. C7

Obras de urbanização no complexo de favelas, que começam em fevereiro, vão ser seguidas de perto pela polícia, diz Beltrame

Alexandre Rodrigues

A polícia do Rio prepara nova ofensiva contra o tráfico no Complexo do Alemão. Cercado por policiais militares há seis meses, com apoio da Força Nacional de Segurança, o conjunto de favelas da zona norte, base do Comando Vermelho, continuará a ser prioridade do secretário de Segurança do Rio, José Mariano Beltrame, em 2008. Em entrevista ao Estado, ele afirmou que uma nova megaoperação será feita na favela antes do início das obras de urbanização do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), previstas para fevereiro. A operação será nos moldes da que, em junho, levou 1.350 policiais ao coração do reduto da maior facção criminosa do Rio. ¿Antes do PAC pretendemos fazer uma operação lá em determinados locais que não podem ficar como estão¿, limitou-se a dizer Beltrame.

Em 5 de dezembro, uma operação no local foi abortada. ¿Demos para trás por uma questão logística¿, contou Beltrame, negando que tenha havido vazamento de informações. Prestes a completar um ano no cargo, o gaúcho de 50 anos não gosta de ouvir que falta inteligência às suas operações, que levaram a confrontos que aumentaram em 20% o número de pessoas mortas pela polícia.

O senhor disse que a primeira fase de seu plano no Alemão era recuperar o terreno dominado, mas a polícia ainda é recebida a tiros na favela. Esperava chegar ao fim do ano com uma situação melhor?

Esperava. Queria ter antecipado mais um pouco esse fato que nos levou à operação do início de dezembro. A resistência não foi surpresa. O Alemão foi eleito por causa disso. Essas pessoas que estão lá precisam saber que existe um governo. Que a polícia, se tiver de ir lá, vai. A recuperação do território é isso: vamos aonde tivermos de ir a qualquer hora, desde que com fundamento. Tínhamos uma programação para o Alemão, mas tivemos que desviar o foco muitas vezes para outros locais, como a Coréia, o Santa Marta, o Jacarezinho. Não pudemos dirigir toda nossa energia para o Alemão.

Isso fez com que a quadrilha recuperasse os revezes que sofreu?

Não vou dizer que não, mesmo mantendo o cerco nas 27 entradas. Aquilo é um queijo suíço. Pode não entrar pela rua, mas por uma casa, um muro. Não posso parar no portão de um cidadão. Tenho de ficar na rua. Acredito que possam ter se reequipado.

Então não foi um ano de operações sem efeito?

Pelo contrário. Nunca se pegou tanto explosivo. O tráfico foi pegando essa gordura criminosa em função de a polícia não fazer essa atuação. Adquiriram as armas que quiseram. Não vamos acabar com isso, mas a secretaria tem que agir.

É uma estratégia de contenção, não de solução.

Sim. Mas a solução, não só no Alemão, são as famosas e deficitárias políticas públicas e sociais. Onde existe um mínimo de condições dignas de vida existe menos criminalidade.

Muda a relação da população com a polícia com a chegada de outras instituições do Estado à favela com projetos como os do PAC?

Acho que muda. Infeliz quem acha que esses lugares vivem em paz e é a polícia que leva a guerra. É uma falácia. As pessoas vivem em paz sob comando do tráfico, desde que não denunciem, desde que o colégio dos filhos seja fiscalizado pelo tráfico. Essas pessoas estão sob imenso risco. De ir ao orelhão e alguém ir olhar se não está denunciando. Experimenta fechar um portão para traficantes passarem. É paz?

Dá para fazer obra numa comunidade como a do Alemão, onde um carro da polícia é recebido a tiros?

Vai ter que dar. Nossa idéia é que as obras comecem e a polícia acompanhe os canteiros. A polícia não vai tomar ou varrer aquilo, até porque não temos efetivo. Mas vou ter policiamento suficiente para as obras. Estou levando o bem, boas perspectivas para o cidadão.

A escolta dos canteiros não poderá provocar tiroteio?

Acredito que não. Podemos ter problemas iniciais, mas vou ter gente que não vai sair dali.

O Exército está fazendo obras na Providência. Ele poderia ajudar na segurança das obras do PAC?

Acho temerário o Exército. Ele tem uma legislação, uma finalidade própria. Quem tem de ficar ali desde o início do processo é a polícia, que vai permanecer. Temos de valorizar e dar condições à prata da casa, com quem vai ficar o problema. Na Providência, o Exército vai fazer obra e vai embora. Espera-se que a comunidade controle a situação de maneira pacífica. Mas o Exército não vai permanecer. Temos de criar estrutura para que a polícia fique ali.

Muitos dizem que a ação do Exército no Haiti é um ensaio para atuar no Rio.

É desproporcional comparar uma coisa com a outra. E o Exército também não vai resolver o problema do Haiti. O Exército está lá sob a legislação da ONU, com toda a sua autonomia. Ele pode prender... E aqui? Vamos botar o Exército na Vila Cruzeiro e eles vão fazer o trabalho de polícia judiciária?

Então o senhor discorda do governador Sérgio Cabral.

O governador tem a idéia de resolver um problema pontual, uma situação crítica em que o Exército poderia vir. Mas aí, há toda a questão de legislação, constitucional. A temporariedade no Exército é complicada.

O senhor conseguiu convencer o governador disso?

É, talvez...

Houve críticas ao número de mortos (19) na megaoperação, mas também aprovação em pesquisas. De lá para cá, o impacto das operações diminuiu. Houve queda de popularidade do governador. Houve um recuo?

Tirar o pé do acelerador? Absolutamente. A única coisa que talvez nos tenha desviado um pouco é que tivemos de abrir várias frentes. As operações vão continuar.

O número de mortos pela polícia aumentou em 2007. Por que a polícia do Rio mata mais e prende menos do que a de São Paulo? Não há algo errado?

Acredito que não. Temos diferenças abismais com São Paulo. Temos a configuração geográfica e o fato de termos três facções. Bandidos presos já nos relataram: se perderem um fuzil, morrem. É uma característica da criminalidade daqui responder nesse nível de violência. A polícia do Rio tem muito mais fuzil que a paulista. Não porque adoramos fuzil, mas por necessidade. Comprei helicóptero blindado por imposição dos traficantes. Em São Paulo, não precisaria gastar esse dinheiro.

Como convencer os policiais de que é melhor, até para a investigação, prender?

Disso, tenho certeza de que os policiais sabem. São treinados. O policial não sobe morro dando risada. Ele vai sob tensão grande. Da Coréia, viemos com 14 presos. A primeira operação no Alemão teve 19 presos. Quem quiser se render se rende.

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