Título: Com a crise nos EUA, mercado já fala em alta de juros em 2008
Autor: Pereira, Renée
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/01/2008, Economia, p. B1
Nenhuma das 62 instituições ouvidas pela Agência Estado aposta que o Copom baixará os juros na reunião de amanhã
A crise americana praticamente enterrou a possibilidade de o Comitê de Política Monetária (Copom) voltar a reduzir a taxa Selic a curto prazo e, possivelmente, até o fim do ano. Entre os mais pessimistas, há risco até mesmo de o País ser obrigado a mudar o rumo da política monetária e ter de elevar os juros nos próximos meses, algo impensável entre os especialistas até o fim do ano passado.
Para a primeira reunião do ano, que começa amanhã e termina na quarta-feira, a aposta unânime dos especialistas, segundo pesquisa da Agência Estado com 62 instituições do mercado financeiro, é de manutenção dos juros em 11,25% ao ano. A surpresa poderá aparecer no comunicado que o Banco Central (BC) divulga após o encontro, mais especificamente no placar de votação. Segundo os analistas, a abertura dos votos dará uma boa sinalização do que pode vir pela frente. Há quem aposte em alta dos juros já na reunião de abril.
Na avaliação dos economistas, a principal preocupação é que a turbulência externa pressione ainda mais a inflação no País. O IPCA de dezembro não trouxe boas notícias, levando o índice a encerrar o ano com variação próxima à meta de 4,5% e acima das expectativas de mercado, diz a economista do Banco Fibra Maristella Ansanelli. Esse fator sozinho já justificaria postura mais cautelosa do BC. Mas junta-se a isso a demanda interna aquecida e, agora, a incerteza internacional.
A economista da Tendências Consultoria Integrada, Alessandra Ribeiro, explica que um dos primeiros efeitos da turbulência no mercado financeiro é a fuga de capitais aplicados em ativos de risco para ativos de qualidade (como os títulos americanos). ¿A saída de recursos pode provocar a desvalorização do câmbio, que afeta os índices de inflação e, por fim, atinge os juros¿, explica ela. ¿O cenário embutiu um risco maior em relação ao câmbio e sugere cautela. Mas precisamos esperar para ver os resultados.¿
Na opinião do economista da corretora López, Leon Flávio Serrano, somente a partir de março ou abril o País terá um cenário mais claro em relação aos rumos da política monetária. Isso vale tanto para o quadro inflacionário quanto para o de atividade econômica. De acordo com os economistas, os indicadores de produção e vendas sinalizam crescimento robusto da demanda agregada, o que também se reflete nos patamares recordes do nível de utilização da capacidade instalada. Segundo dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI), até novembro o índice estava em 82,9% - outro risco de pressão inflacionária.
Muitos especialistas acreditam que as quedas promovidas na Selic nos últimos anos ainda não surtiram todo o efeito na economia. ¿Após um ano de cortes agressivos, parece que a conta está chegando. Ainda acreditamos ser cedo para prever uma alta de juros em 2008, mas os riscos aumentaram de maneira significativa¿, destaca o economista-chefe da Ativa Corretora, Arthur Carvalho, em seu relatório sobre expectativa sobre o Copom.
Para Carvalho, as projeções de inflação estão perigosamente próximas da meta. Ou seja, qualquer choque mais forte que o esperado pode pôr a inflação acima da meta e exigir postura mais rigorosa da autoridade monetária. ¿Se o BC tiver de elevar a Selic, o primeiro a sofrer será o fluxo de investimento. O efeito sobre essa variável costuma ser superior ao que se verifica sobre o consumo das famílias¿, destaca o economista da MCM Consultores, José Júlio Senna, ex-diretor do BC.
Na avaliação de Senna, ao contrário do que muitos têm falado, a economia americana não está descolada do resto do mundo. Estudos realizados pela MCM mostraram que a elasticidade de resposta da economia mundial (sem contar os EUA) a alterações de comportamento da economia americana parece mais baixa nas duas últimas décadas que em períodos anteriores. Mas é bastante elevada. ¿Para cada 1% de queda do crescimento americano, o PIB do resto do mundo cai entre 0,70% e 0,75%. Parece bastante significativo¿, avalia ele.
O economista argumenta que o mundo todo sofrerá com uma desaceleração forte dos EUA. No Brasil, isso será traduzido em um ritmo menor de crescimento das exportações e preços menos atraentes de produtos vendidos ao exterior. ¿Os formuladores de política econômica do Brasil devem se preparar. Seria um erro grave subestimar o poder de influência da crise atual sobre o comportamento de nossa economia. É impossível não sofrer conseqüência da crise¿, diz ele.
Mesma opinião tem o professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP) Alkimar Moura, também ex-diretor do BC. Para ele, o Brasil também poderia ter queda nas exportações para outros locais, como União Européia e China, porque a economia dessas regiões também seria afetada. ¿Isso pode significar menores volumes de venda e queda nos preços internacionais de commodities.¿
Há, porém, quem acredite que parte da queda das exportações para os EUA possa ser compensada pelo aquecimento da economia interna. ¿Hoje estamos com consumo forte no mercado doméstico¿, diz o professor de Finanças do Ibmec São Paulo, Alexandre Jorge Chaia.