Título: Intercâmbio Brasil-Japão
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/01/2008, Notas e Informações, p. A3

Embora tenha sido preparado com bastante antecedência, o Ano do Intercâmbio Brasil-Japão começou com demonstrações de frustração da parte do governo brasileiro. Na solenidade de abertura do Ano da Integração, no Itamaraty, com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do vice-ministro de Negócios Estrangeiros do Japão, Hitoshi Kimura, o chanceler Celso Amorim cobrou a promessa japonesa de instalar uma indústria de semicondutores no Brasil, como contrapartida à escolha do padrão japonês para a televisão digital do País.

O presidente Lula e o então primeiro-ministro japonês Junichiro Koizumi escolheram 2008 para marcar a integração entre os dois países pois este é o ano em que se comemora o centenário da imigração japonesa no Brasil. Foi em 18 de junho de 1908 que o navio Kasato Maru ancorou no Porto de Santos para ali desembarcar os primeiros 791 imigrantes japoneses. Nas décadas seguintes, cerca de duas centenas de milhares de japoneses seguiriam a trajetória desses pioneiros para construir nova vida no Brasil e aqui deixar seus descendentes e o fruto de seu trabalho.

Não falta disposição para as celebrações. Em 2008, haverá muitos eventos no Brasil e no Japão, sobretudo aqui. São mais de 200 já programados, e outros estão sendo organizados. A visita ao Brasil do príncipe herdeiro Naruhito, programada para junho próximo, é considerada o item mais importante das comemorações.

Do ponto de vista das relações econômicas e políticas, porém, declarações e expectativas otimistas, especialmente da parte brasileira, não têm tido correspondência nos fatos. O atraso na instalação da fábrica de chips no Brasil com capitais japoneses é mais um dos vários episódios que marcam a lentidão na reaproximação entre os dois países no campo econômico.

Intenso entre as décadas de 1950 e 1970 - quando surgiram grandes empreendimentos binacionais, o mais notável dos quais foi a siderúrgica Usiminas -, o relacionamento econômico entre o Brasil e o Japão hoje é frio. Na década de 1980, a crise da dívida externa brasileira afugentou os capitais japoneses; na década seguinte, a economia japonesa mergulhou numa estagnação da qual só recentemente começou a sair.

Nem mesmo o programa brasileiro de privatização, que absorveu grande volume de capitais externos, contribuiu para mudar essa tendência. A participação japonesa nas empresas brasileiras privatizadas é praticamente nula. O início da recuperação do Japão coincidiu com a emergência, na Ásia, de economias de rápido crescimento, que se tornaram os destinos preferenciais dos capitais japoneses. Mais recentemente, a China passou a absorver esses capitais.

O reconhecimento do Brasil como um dos países com maior potencial de crescimento, numa lista da qual fazem parte a Rússia, a Índia e a China, parecia o marco para um novo ciclo de relações econômicas com o Japão. O potencial brasileiro de produção de etanol poderia facilitar o estreitamento dessas relações, visto que o Japão precisa de fontes limpas de energia para movimentar sua frota.

Até agora, nada disso ocorreu. O Japão continua a ver a economia brasileira com certa desconfiança. O economista Naoki Tanaka, reconhecido como um dos maiores especialistas japoneses em economia internacional, disse no Simpósio Econômico Brasil-Japão - organizado pelo Estado em conjunto com o Nihon Keizai Shinbun e a Câmara de Comércio e Indústria Japonesa no Brasil - que os investidores de seu país querem um ambiente institucional confiável para investir no Brasil. É uma exigência também de investidores de outros países, mas os japoneses, tradicionalmente cautelosos, são mais exigentes que outros por causa de experiências frustrantes de parcerias com empresas brasileiras décadas atrás.

Possibilidades reais para novas parcerias existem - nos campos ambiental, tecnológico e comercial, por exemplo. Mas é preciso avaliar as possibilidades com realismo e entender o processo decisório do empresariado japonês, para evitar que frustrações se acumulem neste ano do centenário da imigração japonesa.