Título: Bernanke assume discurso mais ousado para lidar com a crise
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Fonte: O Estado de São Paulo, 22/01/2008, Economia, p. B5

Em aparições mais recentes, presidente do Fed tenta passar a idéia de que está agindo para evitar a recessão

Neil Irwin, The Washington Post

Quando Ben Bernanke assumiu a presidência do Federal Reserve, há dois anos, ele se propôs a ser o homem de terno de flanela cinza - mais um burocrata anônimo do que um mestre da economia fanfarrão. Agora, ele está descobrindo que, em tempos de crise, o mundo quer um espalhafatoso.

Depois de meses de críticas do pessoal de Wall Street, para quem Bernanke vinha reagindo muito timidamente às crises nos mercados imobiliários e de crédito, ele assumiu uma atitude mais afirmativa. Na semana passada, fez um discurso ousado para sinalizar que o Fed vai reduzir as taxas de juros para tentar impedir um recuo da atividade econômica. Na quinta-feira, disse ao Congresso como planejar um pacote de estímulo à economia.

Os dois eventos pretendem assegurar aos mercados financeiros, às autoridades eleitas e aos americanos que o Fed está agindo. Na visão da diretoria do Fed, é quase inevitável que a nação tenha um crescimento lento no primeiro semestre de 2008. Talvez até uma recessão moderada. Bernanke está tentando indicar que ele e seus colegas do banco central não permitirão que um doloroso ciclo se estabeleça, o que poderá causar uma desaceleração econômica prolongada e grave.

Nesse cenário altamente negativo, a baixa no preço das moradias provoca execução de hipotecas, o que, por sua vez, causa mais perdas no setor financeiro, resultando na menor disponibilidade de crédito para consumidores e empresas, o que leva a uma baixa ainda maior nos preços das moradias.

¿Reduzindo as taxas de juros para compensar os efeitos negativos da turbulência financeira sobre a atividade econômica agregada, a política monetária pode reduzir a probabilidade de que um transtorno financeiro possa desencadear uma ciclo de reação adversa¿, disse em discurso recente o diretor do Fed, Frederic Mishkin. No geral, o pensamento de Mishkin se aproxima do de Bernanke.

O Fed está copiando a cartilha de Alan Greenspan, o antecessor de Bernanke. Ao cortar agressivamente as taxas de juros no fim de janeiro e também mais adiante, como é provável, o Fed será um exemplo da estratégia de ¿administração de risco¿ - tentar evitar um cenário que talvez não seja provável, mas que seria desastroso.

Parte desse ciclo negativo temido pelo Fed é psicológico. Ou seja, se as empresas e os consumidores temerem uma rápida queda no preço das moradias e uma crise financeira maior, há muito mais probabilidade de acontecer. É aí que entra o discurso firme de Bernanke.

Uma das idiossincrasias do cargo de diretor de banco central é que as palavras podem contar tanto quanto a política. Se, graças a seus últimos discursos, as pessoas acreditarem na menor probabilidade de recessão, haverá mais disposição para gastar e investir, tornando o cenário menos provável.

Nesse sentido, o comportamento recente de Bernanke é incompatível com seu desejo declarado de reduzir os refletores sobre o presidente. ¿Bernanke queria ser mais anônimo, o tipo de pessoa que age nos bastidores¿, disse Dean Croushore, um economista da Universidade de Richmond que escreveu um livro com Bernanke. ¿Mas é numa crise que as pessoas precisam assumir a responsabilidade, e é o que ele está fazendo¿.

Não será um atitude usual de Bernanke deixar que as pessoas saibam o que está planejando fazer, como fez em 10 de janeiro, quando disse que ¿estamos prontos para tomar medida adicional substancial conforme necessário para respaldar o crescimento e proporcionar garantia contra riscos de queda¿.

Ele conseguiu indicar as intenções da Comissão Federal do Mercado Aberto tão explicitamente porque os dados econômicos tinham se deteriorado tanto em dezembro e início de janeiro que havia um amplo consenso na comissão sobre qual direção tomar.

O tom afirmativo também ajuda a lidar com um problema que tem incomodado o Fed no decorrer da crise financeira iniciada em agosto - as críticas do pessoal dos mercados financeiros de que o banco central vinha enviando sinais contraditórios em relação a seus planos.

Atualmente, o Fed tem 5 diretores e 12 presidentes de bancos regionais, cada um com uma visão diferente. Por exemplo, em novembro, enquanto os mercados viviam mais uma onda de turbulência, o diretor Randall Kroszner e o presidente do Fed de Chicago, Charles Evans, fizeram discursos advertindo para o risco de inflação, sugerindo que o banco central não estava inclinado a reduzir as taxas de juros de novo. Na reunião seguinte, o Fed reduziu as taxas.

O palavreado mais explícito de Bernanke talvez possa esclarecer parte dessa confusão. A comunicação não é o único problema de Bernanke. As agressivas reduções nas taxas de juros com as quais ele acenou poderão estimular a inflação, porque aumentam as expectativas dos americanos em relação a aumentos futuros nos preços.

¿A retórica de Bernanke mudou completamente, passando de uma preocupação equilibrada com o desemprego e inflação para uma negligência completa das conseqüências inflacionárias do que está fazendo¿, disse Allan Meltzer, economista do Carnegie Mellon e um importante historiador do Fed.

No depoimento ao Congresso na quinta-feira, Bernanke disse que ¿a tendência das expectativas de inflação de se tornarem incontroláveis ou da credibilidade do Fed para combater inflação ser minada poderão complicar a tarefa de sustentar a estabilidade dos preços¿ e dificultar o combate à desaceleração da economia.

Meltzer não está convencido. ¿Bernanke está muito mais político agora¿, disse ele. ¿Creio que está reagindo às pressões advindas dos corretores de Wall Street, do Congresso, que está diante de uma eleição, e do governo, que também enfrenta uma eleição. Essas são exatamente as coisas que ele devia estar tentando ignorar.¿