Título: Israel sugere que Egito assuma responsabilidade pela Faixa de Gaza
Autor: Perez, Angela
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/01/2008, Nacional, p. A14

Funcionários israelenses dizem que país quer deixar de administrar fornecimento de combustível, eletricidade e alimentos

Uma crise por causa da responsabilidade pela Faixa de Gaza provocou ontem um grave revés nas relações entre Egito e Israel. O governo egípcio acusou o israelense de tentar jogar em suas costas toda a responsabilidade pela situação no território palestino. Não estava claro se a proposta de Israel de abrir mão de todo o controle sobre Gaza, manifestada em particular por vários funcionários israelenses e publicamente por um deles, era séria ou um esforço para testar a reação internacional à idéia. Mas funcionários e líderes egípcios reagiram duramente.

'Essa é uma suposição errada', disse Hossam Zaki, porta-voz da chancelaria egípcia, referindo-se a declarações de funcionários israelenses de que o Egito deveria assumir a responsabilidade pelo fornecimento de eletricidade, água e remédios aos moradores de Gaza, agora que sua fronteira com o território está aberta. 'A atual situação é uma exceção, é temporária. A fronteira voltará ao normal.'

Pelo menos 700 mil palestinos cruzaram em 24 horas a fronteira de Gaza com o Egito para comprar suprimentos, depois que militantes destruíram, na madrugada de quarta-feira, boa parte da barreira na localidade de Rafah (ler ao lado). A abertura da passagem reduz a efetividade do bloqueio de Israel a Gaza, imposto na semana passada em resposta aos ataques com foguetes de militantes palestinos contra cidades israelenses.

O Conselho de Direitos Humanos da ONU aprovou ontem uma resolução condenando o bloqueio israelense e pedindo seu levantamento e o fim das incursões militares de Israel. O organismo não mencionou os disparos de foguetes palestinos.

'Precisamos entender que, quando Gaza está aberta para o outro lado, perdemos a responsabilidade sobre isso. Então, queremos nos desconectar (dessa responsabilidade)', disse ontem o vice-ministro de Defesa de Israel, Matan Vilnai. 'O processo de desengajamento de 2005 continua', acrescentou, referindo-se ao ano da retirada militar de Gaza. 'Queremos parar de fornecer eletricidade, água e remédios a eles, então isso dever vir de outro lugar.' Na mesma linha, o porta-voz da chancelaria israelense, Arye Mekel, disse que já que os palestinos estão obtendo suprimentos de outro lugar, não há mais necessidade de Israel administrar seu fornecimento. 'Tudo o que acontece nesse setor (em Rafah) é responsabilidade do Egito', disse Mekel. 'Os egípcios devem fazer o necessário para que a fronteira funcione como devido. Preocupa-nos o que está entrando em Gaza. O Hamas e os outros grupos aproveitarão a situação para infiltrar terroristas e armas, e uma situação que já era grave vai piorar.'

Para Ahron Bregman, especialista em Oriente Médio do Kings College, de Londres, o Egito está numa encruzilhada. 'A enxurrada de moradores de Gaza no Sinai é um pesadelo especialmente para o Egito', disse Bregman ao Estado. 'O presidente Hosni Mubarak enfrenta um grande dilema. Por um lado, ele não quer ser visto como alguém que abandona os palestinos e ignora seu sofrimento. Mas ele também não pode permitir essa invasão no Egito.' Bregman alertou que, se a responsabilidade por fornecer suprimentos a Gaza fosse entregue ao Egito, as autoridades israelenses não teriam mais como monitorar as pessoas que cruzam a fronteira e as que voltam com armas e munição que seriam usadas contra Israel.

Fawaz Gerges, da Universidade Sarah Lawrence, de Nova York, ressaltou que, mesmo que o Egito aceitasse administrar o fornecimento de suprimentos a Gaza, isso não resolveria o conflito. 'Somente um amplo acordo de paz que encerre a ocupação militar dos territórios palestinos e leve à criação de um Estado palestino viável que viva em paz com Israel pode ser a solução', disse Gerges.

Um porta-voz do Hamas - o grupo radical islâmico que tomou o controle de Gaza em junho, após derrotar a expulsar as forças de segurança ligadas à Autoridade Palestina - disse que Israel não pode ser isento de responsabilidade, 'já que a Faixa de Gaza ainda é um território ocupado'.

Gerges assinalou que, 'apesar da retirada de Gaza, Israel ainda domina o ar, o mar e o direito de entrar e sair' do território. 'Enquanto Gaza continuar sendo uma prisão, é improvável que haja estabilidade e segurança no território', acrescentou.

O chefe do escritório de informação do Egito em Rafah, Hisham al-Badawi, afirmou que a situação na fronteira pode se prolongar por mais alguns dias. Ele explicou que não foi tomada nenhuma decisão sobre quando a fronteira será fechada. Na última vez em que foi aberta à força uma passagem na barreira, em 2005 (após a retirada israelense de Gaza), o Egito a fechou depois de quatro dias.

O ministro da Defesa de Israel, Ehud Barak, disse que o governo ainda considera uma operação em larga escala para conter os disparos de foguetes e não afasta a possibilidade de nova ocupação.

ATAQUES

Dois palestinos que invadiram ontem a colônia judaica de Kfar Etzion, na Cisjordânia, disfarçados de soldados israelenses foram mortos a tiros por seguranças depois de ferir a facadas três estudantes. Na periferia de Jerusalém, pistoleiros palestinso abriram fogo contra israelenses diante do campo de refugiados de Shuafat, matando um policial e ferindo seriamente uma oficial. COM AP E REUTERS