Título: 'Doha depende dos emergentes'
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/01/2008, Economia, p. B4

Susan Schwab diz que prazo limite para acordo é 2008 e que crise é oportunidade para avanço das negociações

Rolf Kuntz, DAVOS

A turbulência econômica é um motivo a mais para concluir a Rodada Doha, disse ontem a negociadora principal dos Estados Unidos, Susan Schwab. ¿A integração de nossas economias é um fato da vida. Acredito que a atual turbulência será breve e sabemos que aumentar o comércio é o meio de superá-la.¿ A rodada comercial , disse a representante de Comércio americana, está no topo da agenda americana e o presidente George W. Bush ¿está empenhado em concluí-la neste ano¿, o último de seu mandato. Se o acordo não for fechado em 2008, afirmou, dificilmente ocorrerá depois.

Há bons motivos, disse Schwab, para se acreditar num avanço das negociações nos próximos meses, mas isso dependerá em grande parte, segundo ela, da disposição dos países emergentes de fazerem concessões. ¿As grandes economias em desenvolvimento precisam reconhecer que devem dar uma contribuição compatível com seu estágio econômico, particularmente em matéria de acesso a mercados para bens industriais, produtos agrícolas e serviços.¿ Brasil e Índia têm sido os emergentes com participação mais ativa nas negociações da rodada.

Amanhã, a representante americana terá nova oportunidade para transmitir esse recado ao chanceler brasileiro Celso Amorim. Eles devem ter um encontro reservado e, além disso, participarão de um almoço organizado pela conselheira comercial (ministra) do governo suíço, Doris Leuthard. Amorim também deve conversar separadamente com o comissário de Comércio da União Européia, Peter Mandelson, e com o diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Pascal Lamy, que na quarta-feira já conversou com Schwab.

Deverão reunir-se no almoço entre 20 e 22 ministros, informou ontem Doris Leuthard, durante um encontro com a representante americana e empresários, na maior parte suíços. Lamy também deverá comparecer ao almoço.

No ano passado, ele presidiu em Davos uma miniconferência ministerial, com participação de cerca de 30 dos mais importantes negociadores. Foi adotado um cronograma de trabalho para o ano todo, mas houve pouco avanço político nas negociações. Houve progressos - importantes, segundo Schwab - nas discussões técnicas. Os avanços políticos, insistiu a embaixadora, poderão ocorrer nos próximos meses.

PONTO SENSÍVEL

A agricultura, disse Schwab, continua a ser o ponto mais sensível das negociações. O governo americano, segundo ela, está disposto a cortar subsídios que distorcem o comércio. Os países em desenvolvimento, acrescentou, terão de fazer concessões difíceis, mas ela reclamou também do protecionismo europeu.

Os produtos agrícolas mais competitivos dos Estados Unidos, disse a embaixadora, são barrados na União Européia por obstáculos sanitários. Ela se referiu a organismos geneticamente modificados e, em particular, a carnes de boi, de frango e de porco e também a soja e milho.

Doris Leuthard não só se mostrou pessimista quanto à possibilidade de uma conclusão da rodada, neste ano, mas ainda reafirmou o protecionismo suíço em matéria de agricultura. Os agricultores suíços, argumentou, têm ¿padrões elevados¿ e custos altos e é preciso, no comércio, levar em conta os padrões. Ela se referia a barreiras não tarifárias, como exigências ambientais e sanitárias.

Mas o governo americano, lembrou Schwab, também tem de enfrentar pressões internas quando negocia a liberalização do comércio agrícola. A produção agrícola, acrescentou, é uma parte muito pequena da economia americana e ¿os empresários provavelmente se perguntam por que a agricultura domina o debate¿. Segundo Schwab, ¿talvez os políticos não estejam ouvindo suficientemente outros setores que poderão ganhar com a liberalização comercial¿. A representante de Comércio disse que é preciso aproveitar a ¿perspectiva real¿ de um avanço nos próximos meses e pediu que os empresários pressionem por um acordo.

Definidas as grandes linhas do acordo, os negociadores poderão cuidar de uma porção de detalhes economicamente importantes, como as medidas de facilitação de negócios, disse Schwab. Essas medidas incluem várias providências destinadas a reduzir entraves burocráticos e simplificar os procedimentos do comércio. ¿Cada dia que um produto fica retido no porto¿, exemplificou a embaixadora, ¿representa um custo equivalente a uma tarifa alfandegária.¿

Essa é uma preocupação válida, argumentou o presidente da ABB, com sede em Zurique, Fred Kindle. As medidas adotadas ou em estudo pelo Departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos - como controle de contêineres ou envio antecipado de informações sobre viajantes - também elevam custos e criam obstáculos à realização de negócios. Ele não contestou a preocupação americana com a segurança, mas acentuou os custos e dificuldades criados por algumas dessas medidas.

Apesar de seu pessimismo, a ministra Doris Leuthard dá uma contribuição potencialmente importante para a reativação política da Rodada Doha - assunto politicamente complicado também nos Estados Unidos, onde os principais pré-candidatos democratas à Presidência carregam bandeiras simpáticas aos setores protecionistas.

Apesar da coincidência de interesses em vários temas importantes, como proteção de patentes e abertura de mercados para indústria e serviços, os governos dos Estados Unidos e da Suíça não conseguiram, até agora, fazer deslanchar a negociação de um acordo bilateral de livre comércio.

As autoridades suíças não fazem concessões em agricultura e resistem a mudanças importantes na política de sigilo bancário. É uma questão de privacidade, semelhante, segundo Doris Leuthard, à dos direitos humanos.

FRASES

Susan Schwab Representante de Comércio dos EUA

¿A integração de nossas economias é um fato da vida. Acredito que a atual turbulência será breve e sabemos que aumentar o comércio é o meio de superá-la¿

¿As grandes economias em desenvolvimento precisam reconhecer que devem dar (para um acordo nas negociações ) uma contribuição compatível com seu estágio econômico, particularmente em matéria de acesso a mercados para bens industriais, produtos agrícolas e serviços¿

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