Título: Os limites do mercado interno
Autor: Haddad, Paulo R.
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/01/2008, Economia, p. B2

Se houver uma recessão nos EUA que venha a espraiar seus impactos adversos sobre os fluxos de comércio mundial, o Brasil poderá contar com o dinamismo do mercado interno para compensar uma eventual queda nos valores dos efeitos multiplicadores de suas exportações? Afinal, os fatores da demanda doméstica não foram tão importantes para explicar o elevado crescimento da economia brasileira em 2007?

Em primeiro lugar, destaca-se que, no médio e no longo prazos, a dimensão do mercado interno de um país ou de uma região depende da conjugação de três vetores estruturais: o tamanho de sua população; o seu nível de produtividade geral; e, finalmente, o seu padrão de distribuição de renda e de riqueza. De forma sinérgica, quanto maiores a população e os níveis de produtividade e melhor a distribuição da renda e da riqueza de um país ou de uma região, maior será o tamanho de seu mercado interno. Assim, embora a região metropolitana de São Paulo tenha uma população menor do que a metade da população do Nordeste, o seu mercado regional tem uma escala muitas vezes superior, o que é explicado, fundamentalmente, pelos diferenciais de produtividade entre as duas economias.

Em segundo lugar, há alguns mecanismos para expandir o mercado interno no curto prazo, que, entretanto, não são sustentáveis no longo prazo. Essa expansão pode emergir de políticas sociais compensatórias, como é a recente experiência brasileira com a implantação dos direitos sociais do cidadão previstos na Constituição de 1988. Há, atualmente, no País, cerca de 60 a 70 milhões de pessoas que estão vivendo, direta ou indiretamente, de benefícios dessas políticas (Previdência rural, Loas, Bolsa-Família, etc.). À medida que foram sendo implantadas, as políticas distribuíram poder de compra principalmente para os grupos sociais D e E, expandindo os mercados regionais, onde esses grupos se concentram mais. Os benefícios dessas políticas têm o salário mínimo como referência para a sua atualização monetária, e esse salário cresceu cerca de 40% em termos reais nos últimos cinco anos.

A expansão das políticas sociais compensatórias pode não se sustentar do ponto de vista fiscal no longo prazo, por causa de seu custo de oportunidade econômica, em termos do sacrifício dos indispensáveis investimentos públicos em infra-estrutura econômica, ou por causa de seu conflito político com os poderosos interesses do sistema financeiro, em busca de incessantes ganhos reais sobre a rolagem da dívida pública mobiliária do governo federal. Basta lembrar que, em 1987, cerca de 40% das despesas não financeiras da União se destinavam a investimentos de infra-estrutura e que esse número caiu para 3% em 2005.

Da mesma forma, quando um país vivencia um longo período de repressão financeira para viabilizar o sucesso de políticas de estabilização, restringindo o volume de crédito e mantendo elevadas as taxas de juros reais, pode ocorrer uma expansão posterior do seu mercado interno ao se consolidar estabilidade monetária. Nesse contexto, abre-se espaço para o crescimento expressivo das diferentes formas de financiamento a custo de juros declinantes. Os impactos imediatos dessa relativa descompressão financeira são os de jogar para cima os indicadores de produção, vendas e emprego (principalmente nos segmentos de bens duráveis de consumo). Quando se atingem, porém, os limites de endividamento das famílias e das empresas, as instituições financeiras tendem a se tornar mais conservadoras quanto a novas contratações de empréstimos e financiamentos, levando suas taxas de crescimento a níveis prudenciais.

Como os atuais padrões demográfico e de distribuição de renda e de riqueza apresentam elevada inflexibilidade político-institucional para novas e grandes transformações no médio prazo, será indispensável que se dê prioridade máxima e obsessiva aos programas multiinstitucionais e multifacetados de melhoria de produtividade dos diferentes setores produtivos do País por meio da incorporação de inovações incrementais ou reestruturantes de produtos, de processos tecnológicos, de gestão e de mercados. Esse esforço programático deve dar especial atenção às questões de produtividade das atividades do governo, que, normalmente, arrecada muito, gasta mal e mal também sabe avaliar o que faz.

*Paulo R. Haddad, professor do Ibmec, foi ministro do Planejamento e da Fazenda no governo Itamar Franco