Título: De operador retraído a maior golpista da história
Autor: Schwartz, Nelson D.
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/01/2008, Economia, p. B3

Responsável pelo megaprejuízo de 4,9 bilhões provocado na Société Générale, Jerome Kerviel tinha trajetória inexpressiva no mercado francês

No saguão da bolsa de valores francesa, onde as mentes mais brilhantes do país arquitetam alguns dos mais complexos instrumentos de finanças globais, poucas pessoas tinham conhecimento de Jerome Kerviel.

Ele era um afortunado por chegar até ali. Muitos dos seus colegas vinham das prestigiadas grandes écoles da França, diplomados em Matemática ou Engenharia. Kerviel saíra de uma escola de comércio e começou sua vida profissional fazendo serviços burocráticos na área administrativa.

Mas na quinta-feira o mundo tomou conhecimento de Kerviel, 31 anos, que ficou famoso como o mais perigoso fraudador da história, um jovem jogador que se viu sugado numa espiral de prejuízos que deixou um rombo de 4,9 bilhões (US$ 7,2 bilhões ou R$ 12,9 bilhões) nas contas da Société Générale, um dos maiores e mais respeitados bancos da França.

De acordo com o banco, um funcionário de nível intermediário na administração - identificado como Kerviel - durante um ano conseguiu burlar extratos de controles de computador e auditorias, acumulando perdas com operações não autorizadas. Kerviel, aparentemente, dissimulava as suas posições graças a uma montagem de operações fictícias para cada uma das ordens autênticas que colocava.

Embora os executivos da Société Générale digam que Kerviel agiu sozinho, muitos questionam como isso foi possível, dada a dimensão dos prejuízos.

¿Existem muitos grandes cérebros na Société Générale; portanto, é difícil acreditar que os sistemas de gerenciamento de risco e todos os auditores não tenham assinalado alguma coisa, em algum nível¿, disse Helyette Geman, professor de Matemática Financeira da Essec, conhecida escola de administração francesa, e professor da Universidade de Londres.

`UM BANCO MÁGICO¿

São eventos surpreendentes em se tratando da Société Générale que, a partir de meados da década de 80, se tornou um poderoso banco global operando com derivativos como futuros e opções. ¿Na França consideramos a Societé Générale um banco mágico¿, comentou Geman.

Ao contrário de muitas instituições bancárias de Wall Street, o banco francês até agora parecia navegar em meio à tormenta que atingiu os mercados financeiros com sua reputação intacta. A edição de janeiro da revista Risk, magazine mensal voltada para o gerenciamento de risco e derivativos, considerou o banco ¿a empresa do ano no campo dos negócios com derivativos¿.

Mas Kerviel, descrito pelos executivos do banco como um operador júnior retraído, não se enquadrava no padrão dos operadores da Société Générale. O banco recruta grandes talentos nas mais respeitadas escolas de Ciências e Engenharia do país, em Paris. Kerviel cresceu na região da Bretanha, a oeste da França, e freqüentou a Universidade de Lyon. Ingressou na Société Générale em 2000, como escriturário, processando e registrando as operações realizadas em bolsa.

Em 2006, ele passou a operador na bolsa, especializando-se em arbitragens, fazendo as apostas com base nas pequenas diferenças entre os vários índices das bolsas européias, como o CAC da França e o DAX da Alemanha.