Título: Crise global pode acelerar Doha, diz Amorim
Autor: Kuntz, Rolf
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/01/2008, Economia, p. B7

Chanceler também acha que divergências sobre o comércio agrícola se tornaram relativamente pequenas

A crise financeira e as eleições nos Estados Unidos podem contribuir para a aceleração da Rodada Doha de negociações comerciais, disse ontem o chanceler Celso Amorim, mesmo sem exibir o otimismo demonstrado pela negociadora americana, Susan Schwab, dois dias antes . O ministro admitiu, porém, que ¿dá para fechar¿ um acordo neste ano porque as diferenças em relação à agricultura, um tema crucial, estreitaram-se muito e são hoje relativamente pequenas.

Amorim manteve um encontro de mais de uma hora com Susan Schwab, ontem à tarde, e disse que a conversa foi útil, embora não tenha havido propriamente negociação. Contou também que a convidou para visitar o Brasil, mas nenhuma data foi definida para a viagem. Ele também se reuniu com o ministro de Relações Exteriores do Reino Unido, David Milliband, e jantou com o diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Pascal Lamy.

Amorim deve almoçar hoje com cerca de 20 dos principais negociadores da Rodada Doha, num encontro organizado pela ministra suíça do Comércio, Doris Leuthard. Schwab, o comissário de Comércio da União Européia, Peter Mandelson, e Pascal Lamy, devem participar.Davos é um lugar para conversar, não para negociar e decidir, disse o ministro brasileiro. Mas o encontro, segundo ele, poderá servir para algumas definições políticas.

Segundo Amorim, as condições internacionais criam novas motivações para o estabelecimento de um acordo global de comércio. Os atentados de 11 de setembro de 2001 foram um grande estímulo para o lançamento da rodada, no fim daquele ano, lembrou o ministro. ¿As dificuldades atuais não se comparam com a tragédia de 11 de setembro, mas podem estimular as negociações¿, ressalvou o ministro.

A crise financeira aumenta o risco de protecionismo, afirmou Amorim, concordando com a observação formulada horas antes, no Fórum Econômico Mundial, pelo primeiro-ministro do Reino Unido, Gordon Brown. ¿O remédio chama-se liberalização e começa com a eliminação de subsídios¿, disse o chanceler.

¿Quando estamos com febre, é mais difícil tomar o remédio, mas é quando ele é mais necessário¿. Além disso, lembrou o chanceler, o presidente George W. Bush tem interesse político em concluir a rodada, lançada há seis anos, em seu primeiro mandato.

Schwab e Mandelson haviam usado argumentos semelhantes na quarta-feira, expressando a disposição de retomar as negociações. ¿Fico satisfeito¿, disse Amorim, ¿ao saber que Susan Schwab e Mandelson dizem estar preparados¿.

Há progressos nas negociações técnicas, acrescentou o ministro brasileiro, concordando com uma intervenção feita dois dias antes pela representante de Comércio Exterior dos Estados Unidos. Mas nenhum dos esboços de acordo preparados pelos coordenadores das negociações sobre agricultura e indústria foi aprovado até agora. Novas versões devem ser propostas em breve, segundo Amorim. Neste momento, não há novos números sobre a mesa para discussões conclusivas.

FMI, BIRD E ONU

O chanceler Celso Amorim comentou também três propostas apresentadas de manhã pelo primeiro-ministro Gordon Brown e aprovou-as com ressalvas. Segundo Brown, as instituições multilaterais, fundadas nos anos 40, estão despreparadas para os desafios do século 21. O Fundo Monetário Internacional (FMI) deveria ser capaz, disse o primeiro-ministro britânico, de operar um sistema de alerta e de prevenção de crises como a das hipotecas imobiliárias americanas. A idéia é boa, admitiu Amorim, mas, para isso, o FMI teria de ser não só um xerife dos pobres, mas também um supervisor eficiente das economias avançadas.

Em segundo lugar, Brown propôs a criação, pela Organização das Nações Unidas (ONU), de uma força de intervenção rápida, capaz de interromper matanças como as de Ruanda e outras ocorridas em várias regiões.

Amorim disse não se opor à medida, ¿desde que a intervenção seja autorizada pelo Conselho de Segurança¿. Seria necessário, prosseguiu o chanceler, reformar o próprio conselho, lembrando, mais uma vez, a pretensão brasileira de ocupar um assento permanente no órgão.

Brown ainda defendeu a transformação do Banco Mundial em uma instituição dedicada também à defesa do meio ambiente. Na opinião de Amorim, a idéia não é nova, pois projetos financiados pelo banco atualmente já devem ser acompanhados de avaliação de seu impacto ambiental. O ministro lembrou, no entanto, que o combate à fome e à pobreza, ¿os maiores inimigos do ambiente¿, não pode ser abandonado.