Título: A reação do Brasil, de fato, mudou
Autor: Oliveira, Ribamar
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/01/2008, Economia, p. B2

Durante as fortes turbulências no mercado financeiro internacional, na semana passada, com queda expressiva em todas as bolsas de valores do mundo, o Banco Central brasileiro continuou comprando dólares e as reservas passaram de US$ 185 bilhões para UR$ 186,5 bilhões.

Os seja, os fluxos de capitais para o Brasil não foram interrompidos. A cotação do real sofreu pequenas variações, com o dólar chegando, no pior dia da crise, a R$ 1,829, mas recuando depois para R$ 1,784. Os dados mostram que a vulnerabilidade externa brasileira é, hoje, muito baixa e mudou, de fato, o ¿padrão¿ de reação do Brasil a crises internacionais.

O economista Gustavo Loyola foi presidente do Banco Central no governo Fernando Henrique Cardoso e lembrou, em conversa com este colunista, como o Brasil reagia a crises internacionais no passado. ¿Em primeiro lugar, havia o que se chamava sudden stop, ou seja, uma interrupção abrupta do fluxo de capitais para o Brasil. Por causa disso, a cotação da moeda brasileira caía fortemente.¿

Com a interrupção do fluxo de capitais, o Brasil passava a ter dificuldades para fechar o seu balanço de pagamentos, ou seja, deixava de dispor de dólares suficientes para bancar as compras externas, pagar os juros das dívidas, pagar os demais serviços, etc. Para atrair capitais, o Banco Central elevava os juros, em determinados momentos para níveis estratosféricos. É bom relembrar que a taxa de juros brasileira chegou a 45% ao ano.

Como boa parte da dívida brasileira era em dólar ou indexada ao dólar, a desvalorização do real provocava aumento significativo do estoque do endividamento. O País passava, da noite para o dia, a dever muito mais. Essa situação era agravada pelo aumento do custo da dívida, com a elevação da taxa de juros. ¿Isso levava os investidores e analistas a desconfiar da capacidade do governo brasileiro de honrar os seus compromissos¿, explicou o ex-presidente do BC.

O resultado desse processo era que a dívida pública líquida crescia em proporção do Produto Interno Bruto (PIB). A relação entre a dívida e o PIB é o principal indicador da solvência de um país. Para enfrentar a desconfiança dos investidores e mostrar que tinha condições de pagar seus débitos, o governo era obrigado a aumentar o superávit primário do setor público. Só assim conseguia acalmar o mercado. Foi isso o que aconteceu desde 1999 até 2003: o superávit primário subiu sem parar, até chegar a 4,25% do PIB.

Hoje, o governo brasileiro é credor externo, ou seja, possui mais ativos em moeda estrangeira do que dívidas. Isto muda todo o jogo, pois significa que, se o real se desvalorizar, a dívida pública será reduzida (pois os ativos em dólares são maiores que as dividas em dólares).

No passado, a dívida aumentava e, por causa disso, o País entrava em crise. A nova realidade, que ficou visível agora para todos, mostra que o fantasma da vulnerabilidade externa não assusta mais os brasileiros. Este é, sem dúvida, o grande feito dos últimos anos.

Para mostrar que nada mudou, alguns analistas dizem que, se houver recessão nos Estados Unidos, o Brasil sofrerá do mesmo jeito. Mas, se houver uma ¿séria¿ recessão na economia americana, como o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, acha possível que ocorra, o mundo todo sofrerá, não apenas o Brasil. Os Estados Unidos são responsáveis por 20% da demanda global. Se eles reduzirem essa demanda significativamente, é difícil imaginar quem poderá compensá-la.

Todos viraram keynesianos

Bastou que a maior economia do mundo entrasse em crise para que os liberais e neoliberais também entrassem em parafuso. O presidente George W. Bush, republicano e conservador, anunciou um pacote fiscal que simplesmente significa o uso do dinheiro público para induzir as pessoas ao consumo. Com o dinheiro que receberem, elas devem, preferencialmente, gastar para sustentar a demanda. É como se Bush dissesse: gastem, pelo amor de Deus.

O diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Dominique Strauss-Kahn, aconselhou os governos dos países ricos a afrouxarem a política fiscal. Ou seja, ele quer que os governos ampliem os seus gastos e, com isso, garantam a demanda de seus países.

O economista inglês John Maynard Keynes deve estar rindo, principalmente de seus adversários liberais e neoliberais, que há pouco tempo decretaram a morte de sua teoria. Foi ele que ensinou que, em situações recessivas, o melhor que os governos podem fazer é gastar e, dessa forma, estimular a demanda. Só assim é possível evitar que o pior aconteça.

Dinâmica interna comanda o Copom

Para o secretário-executivo da Unidade de Política Econômica da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Flávio Castelo Branco, não faz sentido o Banco Central elevar os juros por causa da crise externa. Ele acredita, portanto, que a política monetária ainda será comandada pela dinâmica do mercado interno. Castelo Branco diz que os dados disponíveis sobre a oferta e a demanda interna não indicam necessidade de elevação dos juros. Por isso, ele acha que, também em março, o BC não mexerá na taxa.

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