Título: 'Os tempos de pouca volatilidade acabaram'
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Fonte: O Estado de São Paulo, 28/01/2008, Economia, p. B5

Barry Einchengreen: professor da Universidade de Berkeley Economista diz que Estados Unidos enfrentam retração `curta e suave¿, mas impacto no Brasil ainda é incerto

Leandro Modé

Professor da Universidade de Berkeley, na Califórnia, o economista Barry Einchengreen acredita que os Estados Unidos não vão escapar de uma recessão. Se serve de consolo, a aposta dele é em uma retração ¿curta e suave¿. ¿Mas não acho que economistas podem realmente prever, de forma precisa, recessões brandas, médias ou profundas¿, ressalta. Autor de diversos livros, entre eles Crises Financeiras, publicado no Brasil pela Editora Campus, Eichengreen avalia que a situação atual levará a uma mudança radical do sistema financeiro global. ¿Esse será o tema número 1 na agenda do FMI¿, afirma. Para o economista, o Brasil não vai ¿descolar¿ da provável recessão americana. O impacto no País dependerá, segundo ele, ¿da extensão¿ da retração nos EUA. Ele conversou com o Estado por telefone, de Berkeley.

Essa crise é diferente e, talvez, mais profunda que outras?

Prefiro chamar o que está ocorrendo de recessão, não crise. Temo que essa recessão seja mais profunda do que a de 2001 e, talvez, até mesmo pior que a de 1991 nos Estados Unidos. Isso porque estamos lidando com dois grandes problemas de uma só vez. O primeiro é a derrocada do mercado imobiliário. O segundo é a escassez de crédito bancário. Estaríamos vulneráveis a uma recessão nos EUA mesmo sem a crise de crédito por causa da deterioração do mercado imobiliário, uma vez que a construção é muito importante para o conjunto da economia.

O sr. espera essa recessão profunda ou é apenas uma possibilidade?

Acho que se deve ter esse cenário como uma possibilidade. Não acho que economistas podem realmente prever, de forma precisa, recessões brandas, médias ou profundas. Mas eu acho que os riscos atualmente indicam para uma recessão breve e suave.

Como o sr. avalia as ações recentes do Fed e, em especial, a redução surpresa da taxa de juros na terça-feira?

O Fed tem estado um pouco `atrás da curva¿. Acho que tem sido um pouco lento para reconhecer que a inflação não é um risco para os EUA, mas a recessão é. O corte surpresa foi o reconhecimento disso. O lado ruim é que uma ação como essa, a uma semana da reunião regular do banco, dá uma sensação de que o Fed entrou em pânico.

O Fed está em pânico, como têm dito alguns analistas?

Acho que o Fed tem basicamente feito a coisa certa desde o último verão (no Hemisfério Norte), mas, repito, um pouco devagar. Apenas um mês atrás, o Fed dizia que a inflação estava muito alta e a atividade econômica estava forte. Não acho que esteja perdido, mas foi muito cauteloso para reconhecer que a situação se deteriorava.

Muitos especialistas argumentam que a economia americana desacelerou muito rapidamente. A velocidade surpreendeu o sr. também?

Estive em São Paulo há quatro, cinco meses e, na ocasião, disse que o risco de uma recessão nos EUA era muito sério por causa dos problemas do setor imobiliário. A construção residencial teve um colapso nos EUA, que se espraiou para o mercado de crédito. Naquela ocasião, discutia-se se o Brasil conseguiria ¿descolar¿ dos EUA ou sofreria também. Eu disse que o Brasil está numa posição mais forte, mas vai sentir a recessão americana também.

O sr. concorda com aqueles que criticam o ex-presidente do Fed Alan Greenspan por ter mantido baixas as taxas de juros, o que teria fomentado a bolha imobiliária?

Concordo em parte com essa idéia. Do ponto de vista da taxa básica de juros, Alan Greenspan teve mesmo de cortá-la agressivamente a partir de 2001 porque o problema potencial naquele momento não era a inflação, mas a recessão. Estou de acordo com os críticos quanto ao fato de que o Fed, como principal regulador do setor bancário e dos mercados financeiros dos EUA, falhou. Houve falha na regulação de instrumentos como conduits e veículos especiais de investimento. O Fed deveria ter olhado isso cuidadosamente, o que não ocorreu. Os bancos se colocaram em posições muito arriscadas. Se o mercado imobiliário desacelerasse, como sempre acontece, os bancos não teriam de sofrer tanto como agora. Esse foi o maior erro do Fed.

Então a situação atual poderia ter sido evitada se o Fed tivesse agido melhor?

Não se trata apenas do Fed. O sistema bancário, não apenas nos Estados Unidos, mas também na Grã-Bretanha e na Alemanha, entre outros países, enfrenta a mesma questão. Os reguladores acreditaram que a regulação deveria ser leve e as instituições financeiras poderiam tomar conta de si mesmas. O Fed estava errado em relação ao sistema americano. O Banco da Inglaterra errou em relação ao Northern Rock. E o Bundesbank alemão estava em errado sobre alguns bancos do país. Descobriu-se que até o Banco da China tem US$ 2,4 bilhões de exposição em obrigações colateralizadas (chamadas de CDOs).

Os reguladores em geral não conseguiram acompanhar o desenvolvimento recente de novos instrumentos financeiros?

Absolutamente. Isso ocorre por duas razões. Em primeiro lugar, a inovação financeira avança muito rapidamente. Em segundo, há uma ideologia segundo a qual os reguladores não se devem preocupar com esse problema, que o próprio mercado deve se auto-regular. Os EUA tiveram vários secretários do Tesouro que vieram de Wall Street. Realmente acho que é um problema.

Quando esse momento passar, o sr. acredita que uma das conclusões será de que o mundo das finanças global precisa de uma nova arquitetura?

Definitivamente acredito que, da mesma forma como a crise da Ásia em 1997 e 1998 levou os países da região a melhorar a governança corporativa, esses eventos nos EUA e na Europa farão esses lugares pensarem de novo sobre como regular os mercados financeiros, desencorajar títulos inseguros, pensar sobre veículos financeiros estruturados, etc. Estou certo de que esse assunto será o número 1 na agenda do Fundo Monetário Internacional. Mas não é algo que será resolvido rapidamente. Primeiro é preciso entender o problema. Depois, concordar nas formas como deve ser resolvido.

O sr. acredita que as quedas da taxa de juros pelo Fed somadas ao pacote de estímulo fiscal do governo Bush poderão evitar que os EUA entrem em recessão?

Espero que funcionem, mas duvido que consigam evitar. A política fiscal leva muito tempo para funcionar. Todas as vezes, no passado, em que se tentou usar medidas fiscais para estimular a economia, sua organização levou tanto tempo que o abatimento tributário só ocorreu depois do fim da recessão. Os efeitos só foram sentidos, portanto, depois do fim da recessão. Será impossível colocar dinheiro na mão dos consumidores antes do fim deste ano. A política monetária terá pouquíssimo efeito porque os bancos não estão emprestando. O único caminho em que a política monetária pode ajudar é reduzindo o valor do dólar ante outras moedas. Acho que o Fed tem isso em mente. A desvalorização do dólar, que ocorre pelo diferencial de juros, atrairá menos investidores estrangeiros para os Estados Unidos e estimulará as exportações americanas. Isso pode moderar a recessão. Essa é a boa notícia para nós, mas não para vocês. Dólar fraco significa real forte, euro forte... Não é uma situação feliz para outras partes do mundo.

Alguns especialistas dizem que a raiz dos problemas da economia americana é fiscal. Portanto, o pacote atual poderia piorar a situação no longo prazo. O que o sr. pensa disso?

Acho que é extremamente importante que os benefícios tributários nos Estados Unidos para conter a recessão sejam temporários. Eles não devem se tornar permanentes. Olhando para o longo prazo nos Estados Unidos, há uma série de questões fiscais a resolver, como o sistema de saúde. É importante não criar uma nova rodada de grandes déficits fiscais.

O sr. disse que o Brasil está melhor preparado agora para enfrentar as turbulências. Está mesmo?

Realmente acho. O País fortaleceu suas políticas. Embora crie algum desconforto, o câmbio flutuante é bom porque reduz a vulnerabilidade financeira. Apesar disso, não acredito que o Brasil vai descolar. Agora que temos uma recessão chegando aos Estados Unidos, o crescimento global vai desacelerar, inclusive o da China. Com isso, os preços das commodities vão se enfraquecer. O Brasil não vai mais desfrutar de preços de commodities tão altos e não vai mais exportar tantos aviões. Portanto, o crescimento brasileiro também vai desacelerar. A questão é saber a extensão ou até se uma recessão nos EUA e na Europa pode resultar em recessão no Brasil também. Por ora, não se sabe.

Alguns anos atrás uma recessão aqui pareceria certa.

Os executores de políticas no Brasil fizeram essa resposta ficar mais complicada agora porque fizeram coisas importantes para deixar a economia mais flexível. Repito que não acho que isso fará o Brasil ignorar uma recessão nos EUA.

O que o sr. espera em termos de comportamento dos mercados financeiros, que têm vivido alguns dias de pânico?

Acho que a pouca volatilidade nos mercados e na economia real dos últimos cinco anos acabou. Acho que a avaliação de risco está de volta. Então, levará um longo, longo tempo para que voltemos para o ambiente como o da primeira metade desta década. Ao mesmo tempo, acho que as coisas vão melhorar um pouco em relação às últimas semanas. Em resumo, não será mais tão confortável como no período 2001-2006, mas nem tão desconfortável como nos últimos dias.

Quem é: Barry Eichengreen

Economista, historiador e professor catedrático da Universidade de Berkeley, na Califórnia

Autor de diversos livros, entre eles Crises Financeiras, publicado no Brasil pela Editor Campus

FRASES

¿Prefiro chamar o que está ocorrendo de recessão, não crise. Temo que essa recessão seja mais profunda do que a de 2001 e talvez até mesmo pior que a de 1991 nos Estados Unidos. ¿Não acredito que o Brasil vai descolar¿

¿Levará um longo, longo tempo para que voltemos para o ambiente como o da primeira metade desta década. Ao mesmo tempo, acho que as coisas vão melhorar um pouco em relação às últimas semanas¿

¿O Fed tem estado um pouco `atrás da curva¿. Acho que tem sido um pouco lento para reconhecer que a inflação não é um risco para os EUA, mas a recessão é. O corte surpresa foi o reconhecimento disso¿