Título: O socialismo petroleiro e a bolha das bolsas
Autor: Dumat, Elie Habalián
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/01/2008, Espaço Aberto, p. A2

Na segunda-feira 21 de janeiro, as bolsas de valores de todo o mundo viveram um dia de pânico. A crise sobre a qual se vem falando nos últimos meses parece ter sofrido o seu primeiro ¿pequeno¿ estouro. Quando à Venezuela, não obstante parecer que o fenômeno foi muito pouco sentido, os efeitos desta crise global em gestação prometem para o momento do parto realidades dramáticas que poderão produzir sobressaltados nos promotores do ¿socialismo petroleiro¿.

Com a receita produzida pelo petróleo foi possível realizar as chamadas ¿missões sociais¿ (Robinson, Barrio Adentro, Identidad, etc.) que se constituíram em fator-chave no resultado do referendo de 15 de agosto de 2004, pelo qual se buscava revogar o mandato constitucional do presidente Hugo Chávez. Tais ¿missões¿, juntamente com vários negócios na área petrolífera feitos com Cuba, tornaram possível transferir uma parte da receita para o resgate do socialismo do país irmão. Com a renda do petróleo, Chávez importa todo tipo de produtos e serviços que os ¿oligarcas¿ se negam a fornecer-lhe. Mas a receita petrolífera e o petróleo - tão caro para as populações da América Latina e do Caribe - podem acabar comprometendo lealdades na realização da ¿grande revolução regional¿.

Por isso é que, diante do fracasso dos partidos comunistas e operários na implementação do socialismo na União Soviética, na Europa Oriental, na China e na Indochina, Hugo Chávez e seus teóricos em economia e desenvolvimento socialistas (Jorge Giordani, Alí Rodríguez e Alberto Müller Rojas, passando por Heinz Dieterich, Rodrigo Cabezas e Haiman el Troudi, até chegar a Mari Pili Hernández, que também empreendeu um grande esforço, entre outros) dão uma ¿extraordinária contribuição¿ à formulação desse socialismo, acrescentando-lhe uma categoria mágica. Isto é, a receita do petróleo. Mas com uma condição: os preços do petróleo cru não podem baixar até 2021.

Cabe lembrar a esses protagonistas do chamado ¿socialismo petroleiro¿ (para outros, socialismo ¿bolivariano¿) que a receita se forma no mercado de petróleo global, que não só é capitalista, mas tem uma dimensão ¿imperialista¿. Ou seja, conta com a participação de potências como Estados Unidos, China e Rússia. De modo que, além de outros fatores menos categóricos, como é o caso da especulação, a demanda do petróleo cru e os conflitos que gera constituem as duas condições fundamentais que incidem na sua cotação. Portanto, qualquer ação destinada à restrição da oferta de petróleo e/ou ao incremento do seu potencial de conflitos contribui para elevar o seu preço.

Ora bem, o discurso mundial de prioridade da guerra sobre a diplomacia parece estar se esgotando. Seu principal promotor e protagonista, George W. Bush, está de saída, sem deixar sucessor. Nas campanhas que estão sendo atualmente realizadas para a escolha dos candidatos presidenciais dos Partidos Democrata e Republicano não se fala de guerra nem de conflitos, mas de como resolvê-los. No Oriente Médio, a situação de alto risco, que chegou ao seu nível máximo durante o ano de 2006 e parte de 2007, apresenta hoje um panorama menos crítico. No Irã, a própria oposição islâmica, encabeçada por líderes como os ex-presidentes Khatami e Rafsanjani, se tornou um fator adverso para o conflitivo presidente Mahmoud Ahmadinejad. Quanto ao presidente Hugo Chávez, os fracassos em âmbito nacional nas áreas política, social e econômica, somados aos reveses políticos e geopolíticos na região, contribuíram para debilitar o seu poder como fator catalisador de situações de conflito. Hoje Hugo Chávez é visto como um fator político e geopolítico vulnerável e bastante diminuído.

Se a essa realidade se acrescentar a possibilidade de um estouro de certa magnitude na economia mundial, algo como uma recessão, então os preços do petróleo estariam comprometidos. Diante de semelhante possibilidade, Hugo Chávez e seus principais colaboradores do ¿socialismo petroleiro¿ teriam pouca margem de manobra para lidar com uma receita petrolífera sensivelmente reduzida. Haveria problemas com as ¿missões¿, com as importações subsidiadas de produtos essenciais, como alimentos, com o ¿banco central paralelo¿ do presidente, de onde fluem as reservas ¿excedentes¿, com os negócios, de petróleo ou não, com Cuba e, em geral, com a geopolítica petroleira regional do presidente da Venezuela.

Não é justo nem ético, da parte dos que se autodenominam socialistas, criar expectativas e ilusões em importantes setores da população da Venezuela e do restante da América Latina e do Caribe acerca do ¿socialismo petroleiro¿, quando este depende de um fator que não é nada socialista, como a receita dos hidrocarbonetos. A História recente nos fala do trágico fracasso desse ¿socialismo¿ depois do colapso das receitas, em 1986. Um exemplo dramático foi o nefasto final do Iraque baathista de Saddam Hussein. Nesse mesmo sentido, poucos perceberam que a queda vertical dos preços do petróleo ocorrida naquele ano foi um importante catalisador da dissolução da União Soviética, na época o principal país produtor de petróleo cru do mundo.

Nós, venezuelanos, devemos fazer-nos a seguinte pergunta: se, com os atuais níveis de entrada de divisas do petróleo, o número um do ¿socialismo petroleiro¿ se perguntou, ¿espantado¿, durante sua recente intervenção na Assembléia Nacional Legislativa da Venezuela, sobre as razões do desastre das prisões do país, do desabastecimento e da inflação, da insegurança pessoal, da ineficiência administrativa do Estado e da corrupção, entre outros problemas, então, qual seria o seu ¿espanto¿ se a receita do petróleo chegar efetivamente a sofrer um colapso?

Deus nos livre de um outro janeiro negro como o de 1986. Elie Habalián Dumat foi governador da Opep em 2003 pela Venezuela