Título: O cabide, a OAB e a CLT
Autor: Pinto, Almir Pazzianotto
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/01/2008, Espaço Aberto, p. A2

Em momento oportuno a seção paulista da Ordem dos Advogados do Brasil deliberou reunir alguns especialistas, aos quais solicitou que formulem sugestões acerca da reforma da legislação trabalhista. A comissão será presidida pelo professor Amaury Mascaro Nascimento, juiz do Trabalho aposentado, o que basta para assegurar a objetividade dos estudos e antecipar o sucesso da empreitada.

Há muito tempo a modernização da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) é considerada medida prioritária e da qual depende, em grande parte, a retomada do desenvolvimento sustentado, com abundante geração de empregos.

Empresas privadas, estatais, sociedades de economia mista, associações sem fins lucrativos, profissionais liberais, pequenos produtores rurais são vítimas dos enigmas de legislação que os impedem de conhecê-la e de acompanhar incessantes mudanças na lei e na jurisprudência. A sensação que se tem é de que a parafernália jurídica é fruto do estranho desejo de criar problemas para os empregadores e multiplicar o número de feitos trabalhistas. Não é por outra razão que os tribunais se encontram às voltas com quantidades inacreditáveis de demandas de todas as naturezas, às quais não conseguem dar vazão dentro de prazos razoáveis.

Na esfera da Consolidação se trava antigo debate entre os que sustentam que tudo ali é sagrado e intocável (exceto para acentuar o caráter tutelar das normas) e os que insistem em afirmar que a CLT ignora as formidáveis mudanças que, desde 1943, o Brasil e o mundo experimentaram, circunstância que nos mantém em posição de inferioridade industrial ante povos mais sábios.

O receio de passivos que permanecem ocultos e nem sequer são imaginados gera resistência à contratação de mão-de-obra e estimula a substituição de seres humanos por equipamentos de avançada tecnologia, que reduzem os riscos do negócio.

Há poucos dias tive o interesse despertado por singelo cabide de madeira branca, do modelo usado para guardar a roupa no armário. Ao ler a etiqueta do vendedor, constatei que fora importado da China. Ora, o que não nos falta é madeira (que poderá ser de pinho ou eucalipto), arame e pessoas à procura de emprego. Como se explica que tal objeto, cuja produção independe de alta tecnologia, cruze mares e oceanos, supere barreiras alfandegárias, vença formalidades burocráticas, pague salários e impostos e, depois de tudo, seja posto no mercado interno em valores aquém do similar nacional? Dos cabides aos guarda-chuvas, baterias, leques, brinquedos, instrumentos musicais, relógios, espelhos, flores artificiais, motocicletas e automóveis, milhares de itens passaram a ser importados não porque nos faltem recursos para produzi-los, mas porque não somos competidores no preço final, fator decisivo no momento da compra.

Em nome de falsas ideologias, invocadas para a defesa de interesses corporativos, combate-se a reforma trabalhista e milhões permanecem na informalidade ou desempregados. Os audazes buscam a América, a Europa ou o Japão. Deixam a família, arriscam a vida e a liberdade e aceitam tarefas pesadas, sem limitação de horário e sob condições precárias. Outros se deslocam ao longo do nosso território, vagando das regiões pobres para as industrializadas, desprovidos da qualificação exigida pelas boas empresas e engrossando as fileiras da informalidade.

No mês de dezembro último, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva acertou o alvo ao baixar a Medida Provisória (MP) nº 410, destinada a pôr termo a crônico problema da agricultura. Alterou o Estatuto do Trabalhador Rural a fim de reconhecer a validade do contrato de curta duração, com prazo limite de dois meses. Pela primeira vez, desde o advento da CLT, o governo compreendeu ser melhor dispensar o registro na Carteira de Trabalho e Previdência Social quando o serviço é sazonal ou temporário do que presenciar a substituição do diarista por equipamentos sofisticados. Abandona-se a exigência do registro para que haja trabalho.

Quem tem noção de agricultura está ciente de que as safras são anuais, de curta duração e sucedem em épocas determinadas. Exceção feita à da cana-de-açúcar, que se estende de maio a novembro, nas demais a colheita é rápida, sobretudo porque os produtos são perecíveis. Acrescente-se que os prazos variam conforme a extensão da lavoura e da propriedade. Há safra de dois meses, mas há aquela cuja duração é de dois dias. Em todos os casos, o trabalho é de reduzida duração e não justifica os ônus do contrato por prazo indeterminado.

O fato de a MP ser versão compactada do Projeto de Lei 2.639-A/2000, do deputado Alex Canziani, não reduz o mérito do presidente Lula. Ao enfrentar problema responsável por tumultos nas relações trabalhistas no campo, o presidente demonstra ser possível imprimir flexibilidade à legislação, sem prejuízos, mas em benefício dos interessados.

Aspecto interessante da MP está em se dirigir a ponto sensível da questão social, pois derruba velhos tabus ao revogar normas referentes aos trabalhadores rurais diaristas, os conhecidos bóias-frias.

Os adeptos da modernização querem crer que se encontram diante da primeira de um elenco de medidas destinadas a conciliar direitos fundamentais dos trabalhadores rurais e urbanos com a premente necessidade de o País se consolidar como grande produtor industrial, graças ao vigor da capacidade competitiva.

O fato de atravessarmos momento econômico favorável, graças, sobretudo, à situação internacional, não deve esmorecer o ânimo dos defensores da reforma trabalhista, porque se trata de providência indispensável ao desenvolvimento sustentado.

* Almir Pazzianotto Pinto foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho (aposentado)

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