Título: Crise e prevenção
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/01/2008, Notas e Informações, p. A3

A crise imobiliária americana, bastante grave para causar grandes perdas a vários dos maiores bancos do mundo, incluído o Citi, de Nova York, parece ter passado longe, até agora, do sistema bancário do Brasil. Mas não é hora de relaxar a vigilância nem de festejar a imunidade brasileira ao vírus das hipotecas de segunda classe. Ao contrário: cada nova crise financeira revela uma variedade nova de riscos - e as turbulências do mundo globalizado têm evidenciado, de modo espalhafatoso, as falhas dos mecanismos de prevenção. Nesse quadro, é especialmente bem-vinda a decisão anunciada pelo presidente do Banco Central (BC) do Brasil, Henrique Meirelles, de reforçar as normas de segurança adotadas no País, até porque ninguém conhece a extensão dos danos causados pela crise nem sabe quando os mercados poderão estabilizar-se.

O cenário financeiro só deverá normalizar-se quando se estabilizarem os preços dos imóveis nos Estados Unidos, disse Meirelles numa conversa com a imprensa, em Davos, no sábado de manhã. Ele acabava de presidir um encontro de autoridades monetárias de vários países, num evento promovido pelo Fórum Econômico Mundial. A conversa, fechada, não produziu nenhum consenso para ser transmitido ao mundo, mas proporcionou um bom balanço da situação.

Meirelles reiterou que a atual safra de balanços, ainda incompleta, já deu uma boa idéia dos estragos, mas a história não terminou. Os balanços são como fotografias, porque mostram cenas instantâneas. Mas o filme continua.

Todos os valores contábeis vinculados a preços de imóveis ainda poderão mudar consideravelmente nos próximos meses - ninguém sabe quantos - até a poeira assentar no mercado imobiliário americano.

A partir desse momento os balanços poderão mostrar a cena final desse episódio. As perdas calculadas até agora mostram os efeitos da inadimplência e da depreciação dos imóveis comprados a prestações e dos papéis vinculados a esse mercado. Parte dos buracos está sendo tapada com capitais de grandes investidores, como os fundos soberanos, e isso ajudará a recuperação dos bancos, mas a volatilidade não está superada.

A crise mostrou mais uma vez a importância do aperfeiçoamento constante dos mecanismos de segurança do sistema financeiro. O mundo todo já poderia ter adotado as normas de Basiléia II. São a última versão dos critérios de segurança bancária sacramentados pelo Banco de Compensações Internacionais, também conhecido pela sigla BIS (Bank for International Settlements), com sede em Basiléia, na Suíça. Mas isso não ocorreu. Se os padrões de Basiléia II tivessem sido implementados com igual presteza nos dois lados do Atlântico, talvez a crise das hipotecas imobiliárias não tivesse ocorrido, ou não tivesse sido tão grande, disse em Davos o presidente do Banco Central Europeu, Jean-Claude Trichet, numa alusão às falhas da regulamentação americana.

Os padrões em vigor no Brasil não são inferiores aos das grandes economias. Em alguns aspectos são até mais eficientes e melhoraram muito, sem dúvida, depois da quebra de alguns grandes bancos nos anos 90.

Mas é preciso reforçar as normas de segurança, talvez indo além de alguns critérios indicados pelo BIS. Uma das novidades de Basiléia II foi a exigência de se adotar uma contrapartida de capital para as linhas de crédito comprometidas pelos bancos, mas não usadas pelos clientes. Um cliente pode manter sem uso, por longo tempo, uma linha comprometida pelo banco. Mas o risco de fato não é zero, até porque, em muitos casos, o cliente resolve sacar o dinheiro precisamente quando surgem problemas. Já não é o caso de discutir essa norma prudencial, mas de examinar se a exigência de Basiléia II - capital equivalente a 20% da linha comprometida - é suficiente.

A decisão da autoridade brasileira de reforçar as normas prudenciais é perfeitamente justificável, mas nenhum BC nacional ou regional (como o europeu) pode fazer a fiscalização necessária quando o sistema é globalmente integrado e as fronteiras são quase ficções. Esse tipo de trabalho só pode ser feito por instituições como o Fundo Monetário Internacional e o assunto está na pauta do novo chefe da instituição, o francês Dominique Strauss-Kahn. Mas falta, ainda, reunir as condições políticas para o Fundo assumir esse papel.

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