Título: Dinheiro para o mensalão
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/01/2008, Notas e Informações, p. A3

De tudo que veio a público do depoimento à Justiça Federal do ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, um trecho em especial desmoraliza definitivamente os argumentos petistas, explicitamente endossados pelo presidente Lula numa entrevista, para reduzir a um restrito crime eleitoral que todos os partidos cometem - o uso do caixa 2 - a compra sistemática de apoio político para o governo, envolvendo dinheiro público, que entrou para a história do lulismo como mensalão - aumentativo apropriado, aliás.

No noticiário, o trecho de que se tratará logo adiante ficou obscurecido por ter Delúbio citado nominalmente 8 dos 21 integrantes da Executiva Nacional do partido que, em reunião, o incumbiram de ¿encontrar uma solução¿ para o problema de que ¿todo mundo sabia¿ no PT. À CPI dos Correios, em 2005, ele se limitara a mencionar ¿integrantes da Executiva¿. O problema era a dívida de R$ 26 milhões, remanescente da campanha de 2002 em oito Estados, acrescida dos R$ 28 milhões que o PT precisava repassar a quatro partidos que haviam apoiado a candidatura Lula (PL, PTB, PMDB e PP), além de fazer caixa para as eleições municipais de 2004.

A solução encontrada pelo tesoureiro foi se socorrer com o publicitário Marcos Valério, que entraria para a lista dos 40 processados pelo STF, como operador do mensalão, entre outros malfeitos. Depois que estourou o escândalo, ficou-se sabendo que Valério repassou clandestinamente aos endividados e aos políticos dos quais o lulismo queria ser credor a bagatela de R$ 55 milhões, alegadamente emprestados de bancos como o Rural e o BMG.

À juíza Sílvia Maria Rocha, da 2ª Vara Criminal Federal de São Paulo, que o interrogou na quinta-feira passada, Delúbio sustentou - eis a passagem crítica - que em reunião que teve com a Executiva do partido descartou a possibilidade de cobrir o rombo por meio de doações declaradas à Justiça Eleitoral. Ele disse que dessa reunião participaram petistas estrelados como o deputado José Genoino, à época presidente da agremiação, a atual ministra do Turismo, Marta Suplicy, e o senador Aloizio Mercadante, então líder do PT na Câmara, os quais, portanto, participaram do lançamento da ¿pedra inaugural¿ do esquema do mensalão.

Naturalmente, essas coisas se fazem, mas jamais são admitidas. A explicação encontrada para a não contabilização dos recursos foi a de que os eventuais doadores exigiriam, em troca, benefícios na administração Lula. (Melhor só o que o ex-ministro José Dirceu diria à juíza no dia seguinte: ¿Minha influência no governo é zero, minha influência no PT é zero.¿) A juíza Silvia Maria Rocha pôs em dúvida a versão de Delúbio. ¿Como explica então a aproximação com Marcos Valério? O que é que ele queria em troca, ou não ia querer nada; é o salvador da pátria?¿

O ex-tesoureiro não se perturbou; afinal, se não é o salvador da pátria, Valério sem dúvida fez o que pôde para salvar o PT. E por isso Delúbio se declara eternamente grato a ele, a quem teria procurado exclusivamente por iniciativa própria. Pena que ¿deu errado, porque veio a crise, todas as denúncias e nós não devolvemos o dinheiro a ele ainda¿. De notar, além da louvável preocupação com o que certamente dará em calote, o ¿nós¿ de quem deixou de pertencer ao partido em outubro de 2005, quando a companheirada o expulsou.

A reação petista ao abraço de afogados com que Delúbio engolfou expoentes da legenda - pela recusa a reabastecer os cofres de forma legal - é um modelo do memorável duplipensar do autor britânico George Orwell, em 1984: ¿O PT não analisará o conteúdo de cada depoimento isoladamente¿, diz a sua nota, ¿preferindo aguardar o conjunto das declarações para conferir a consistência com os registros contábeis e atas de reuniões das instâncias partidárias.¿

Como se o partido, para edificação das futuras gerações de companheiros, deixasse documentado que, depois de conquistar o poder, uma de suas mais altas instâncias decisórias teria dado ao tesoureiro a ordem de resolver o intrincado problema de seus débitos da maneira que achasse melhor - desde que por debaixo do pano. Como disse o senador tucano Sérgio Guerra, ¿é óbvio que tudo aquilo não foi feito por uma única pessoa e sem autorização da direção partidária¿.

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