Título: O novo ministro e a crise
Autor: Costin, Claudia
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/02/2008, Espaço Aberto, p. A2

O novo ministro de Minas e Energia terá certamente vários desafios em sua gestão. Administrará um modelo interessante, pois focado no consumidor, mas ainda em transição, a lentidão na construção de hidrelétricas previstas no PAC, dadas as dúvidas sobre seu impacto ambiental, a insuficiência de energia para fazer face a um crescimento que, se não for contido pela já reconhecida recessão americana, demandará mais eletricidade do que o Brasil pode hoje oferecer. Precisará lidar com uma empresa grande e ciosa de sua independência, a Petrobrás, que, embora competente e portadora de boas notícias, não costuma tornar fácil a vida de titulares da pasta. É importante lembrar que, após a abertura do mercado em 1997, a Petrobrás se fortaleceu muito, batendo recordes de produção e lucro, atingindo a auto-suficiência. A abertura ainda trouxe grande número de empresas privadas que passaram a dividir com ela os riscos do negócio.

Enfrentará igualmente desconfianças, concertadas ou não, sobre a viabilidade e os impactos socioambientais do etanol. Lidará, finalmente, com um problema de credibilidade, por ser de perfil menos técnico, antecedido por um número exageradamente grande de ministros dentro do mesmo governo Lula.

Encontrará, por outro lado, um sistema preparado para a gestão de crises. O Ministério já teve de conduzir vigoroso processo de desestatização nos anos 1990, dado o esgotamento da capacidade de investimento do Estado, o que possibilitou, ao menos na distribuição de energia elétrica, um sistema de fornecimento mais imune à meteorologia. Os avanços na construção de centrais hidrelétricas e usinas termoelétricas, para completar a oferta de energia disponível, não impediram a crise de 2001, dado o sucateamento do setor ante a crise fiscal vivida pelo Brasil a partir de 1980, mas certamente tornam o País, com a continuidade dos investimentos públicos e privados, um pouco mais protegido nesse setor. O propalado apagão certamente já teria reaparecido se as termoelétricas não tivessem sido construídas no governo Fernando Henrique. A crise de 2001 foi ocasionada por erros históricos na condução da política para o setor, mas gerou também um aprendizado que pôde ser internalizado na máquina pública.

Por outro lado, a insuficiência de gás, a despeito de todas as boas notícias divulgadas recentemente sobre novas reservas descobertas, coloca mesmo essas termoelétricas sob perigo. É necessário lembrar que o gás responde por 10% da matriz energética atual, com participação ainda mais expressiva na Região Sudeste. A ameaça de retirar gás da indústria, certamente, não vai resolver o problema e, ao contrário, pode gerar uma insegurança não desejada num momento em que a economia mundial enfrenta riscos importantes.

Mas o Ministério conta com uma estrutura voltada para o planejamento energético. Além da Aneel, agência criada em 1996 para regular e fiscalizar a geração, transmissão e distribuição de energia no território nacional, garantir a qualidade de serviços e exigir investimentos e tarifas justas, num segmento que tende para o monopólio, foi criada recentemente a Empresa de Pesquisa Energética, que deve investigar novas possibilidades para a matriz energética e, especialmente, substituir o Grupo Coordenador de Planejamento do Sistema da extinta Eletrobrás na elaboração de propostas de planos de longo prazo para o setor. É verdade que a função de planejamento de políticas públicas deveria ser atribuição do Ministério (que, afinal, já conta com uma Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Energético), apoiado eventualmente por institutos de pesquisa com um formato institucional mais leve, como é o caso da competente Fiocruz, mas, ao menos, se retomou o planejamento de forma mais estruturada e o Conselho de Política Energética conserva o poder de recomendar sua aplicação ao ministro e ao presidente. Para aproveitar de forma mais adequada esta nova estrutura é preciso estabelecer a confiança nos números divulgados. Não é fácil gerir uma crise ou assegurar à sociedade que as coisas andarão bem se a divulgação de dados parecer um movimento de propaganda. Afinal, a incorporação de novas famílias ao conjunto de usuários de energia elétrica é um fato admirável, fruto de boa política social, e este dado não precisa ser mascarado ao dizer-se que não há risco de apagão, por haver um consumo menor de energia por família.

O ministro Edison Lobão certamente inicia sua gestão com boas novas, da lavra da Petrobrás. Foi divulgada, no fim de janeiro, a descoberta de uma grande jazida de gás na Bacia de Santos, de área similar à de Tupi, enorme campo de petróleo e gás descoberto no fim de 2007. O aproveitamento destas reservas, assim como as de Tupi, levará ainda, afirma Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infra-estrutura, não menos que seis anos. A Petrobrás promete fazer os primeiros testes no fim de 2008. Certo ceticismo impera no setor.

Mas se pode fazer muito em todas as frentes. Acelerar as obras do PAC, atrair investimentos privados para completar os do poder público, que devem ser intensificados, manter e profissionalizar estruturas competentes para coordenar a política energética (inclusive respeitando a autonomia das agências). Além disso, mantém-se a expectativa em torno do etanol. O Brasil deve continuar a aproveitar sua ampla disponibilidade de terras e experiência de mais de 30 anos com biocombustíveis, que lhe garantem produtividade superior à de outros países que também os produzem, como os Estados Unidos e o Canadá. Isso não nos dará respostas de curto prazo, mas certamente contribuirá para uma maior competitividade do País num contexto em que o petróleo terá sua participação reduzida, por razões de geopolítica e por respeito às gerações futuras.

Claudia Costin, professora do Ibmec-SP e da Universidade de Quebec, foi ministra da Administração Federal e Reforma do Estado e secretária de Cultura do Estado de São Paulo

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