Título: A devastação da Amazônia
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/02/2008, Notas e Informações, p. A3

A questão do desmatamento da Amazônia, que a ministra Marina Silva, do Meio Ambiente, transformou em emergência nacional na semana passada, ao descobrir que as derrubadas dos últimos cinco meses foram recordes, está quase toda explicada em uma nota emitida pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), não quando afirma não haver qualquer relação de causa e efeito entre o aumento dos preços da soja e da carne bovina e desmatamento, o que é mais do que discutível, mas quando lembra que ¿o grande proprietário de terras na região é o próprio governo federal, detentor de 76% das áreas na Amazônia Legal, devendo (sic) a este o ato de cuidar de suas próprias terras¿.

Pois o governo não cuida de suas terras e muito menos consegue estabelecer uma política coerente e contínua para a exploração sustentável das riquezas amazônicas. O presidente Fernando Henrique, por exemplo, elaborou em 1995 a Política Nacional Integrada para a Amazônia Legal. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, já em 2004, tinha um plano para o combate ao desmatamento e outro para o desenvolvimento sustentado da Amazônia. Em 2005 a Casa Civil da Presidência advertia que nenhum dos planos funcionava, e tudo ficou por isso mesmo. Agora, no quinto ano de governo, a Secretaria de Ações de Longo Prazo está fazendo um levantamento georreferenciado da região.

É natural, portanto, que a Ministra Marina Silva tenha soado o alarme quando informada de que foram desmatados 3.235 km² entre agosto e dezembro do ano passado - o que motivou reunião de emergência com seis ministros, convocada pelo presidente Lula - e que o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, imediatamente tenha colocado em dúvida os números apresentados e os motivos alegados para a derrubada.

O desmatamento na Amazônia é monitorado por satélites, mas às vezes as estatísticas não reproduzem fielmente o que as fotografias mostram. Recentemente, o Inpe reconheceu que os números divulgados em agosto estavam errados - e bem errados. A primeira informação era de que tinha havido o desmatamento de 723 km², depois reduzidos para 243 km² quando se constatou ter havido falhas técnicas e humanas na análise das imagens. Mas os números que alarmaram a ministra, afirmam os técnicos, estão corretos.

O presidente Lula, por sua vez, agora acha que houve um ¿alarde¿ exagerado em torno dos números divulgados pela ministra do Meio Ambiente. ¿Você vai ao médico, você está com um tumorzinho e, em vez de fazer biópsia e saber como vai se tratar, já sai dizendo que tem câncer¿ - comparou. Mas foi o governo por ele presidido que, alarmado com a reação da ministra Marina Silva, baixou as tradicionais ¿medidas enérgicas¿ para acabar com o abuso e punir os culpados. Primeiro, suspendeu o crédito concedido para os agricultores e pecuaristas dos municípios mais afetados pelo desmatamento. E, assim, de repente, o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, que era um dos pilares da reforma agrária petista, vira um dos vilões da história. Depois, anunciou que deverão se recadastrar cerca de 80 mil propriedades espalhadas por uma área de cerca de 100 milhões de hectares. O último recadastramento que o governo mandou fazer custava cerca de R$ 18 mil para cada proprietário e, como era de esperar, foi um fracasso.

Além disso, suspendeu as autorizações para corte de árvores. O único problema é que quase todo o desmatamento na região é feito clandestinamente, não depende da autorização oficial. Decidiu, ainda, que será enviada para lá uma força-tarefa composta por 780 homens da Polícia Federal (PF), Força Nacional de Segurança Pública e Polícia Rodoviária Federal para, a partir da segunda metade de fevereiro, combater os crimes ambientais.

Em resumo, as tais ¿medidas enérgicas¿ ficam bem no papel e servem para disfarçar a desorientação do governo. O que não se faz é acompanhar de perto a atividade dos agricultores, pecuaristas e madeireiros na Amazônia. Para isso, não se precisa de novos projetos e leis, mas sim de fiscais. O escritório do Ibama de Alta Floresta - uma das áreas críticas de desmatamento - só conta com três fiscais para cobrir uma área de 92 mil km², maior que a dos Estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo. Sem uma fiscalização severa, intensiva e permanente não há força-farefa da PF que consiga conter a devastação da Amazônia.