Título: Aberração no Senado
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Fonte: O Estado de São Paulo, 02/02/2008, Notas e Informações, p. A3

Muitos dos vícios e distorções do sistema político-eleitoral vigente no País têm, nos últimos tempos, recebido da classe política cabocla a avaliação, quase unânime, de que se trata de excrescências, de práticas públicas da pior qualidade, que precisam ter um fim. O sistema de suplência no Senado Federal, por exemplo, que permite que se tornem senadores da República pessoas sem qualquer qualificação eleitoral para tanto - e sem terem sido sufragados com um voto sequer -, é aberração condenada por todos, tanto que não se tem visto parlamentar algum, seja de que partido for, disposto a defender tão espúrio sistema, que violenta um dos princípios básicos da democracia representativa - o de que só o voto do eleitor elege. O problema é que - como se tornou rotineiro na vida pública nacional - a condenação explícita, pelos políticos, de aberrações do sistema político-eleitoral não significa que eles se dispõem a removê-las. Quase todas essas aberrações, afinal, só existem porque a maioria dos políticos nada faz para acabar com elas, quase sempre porque acredita que um dia possam lhe ser proveitosas.

No momento em que Edison Lobão Filho (DEM-MA), filho e primeiro suplente do novo ministro de Minas e Energia, Edison Lobão (PMDB-MA), assume o mandato paterno - e não apenas pelo tempo necessário para licenciar-se, para defender-se de graves acusações -, era inevitável que se reabrisse mais uma vez a discussão sobre a aberrante suplência senatorial, já objeto de sete projetos de emenda constitucional que tramitam no Senado para sua supressão. Edinho filho diz ser contra o sistema vigente, mas foi o 174º político a assumir o mandato de senador sem ter obtido um único voto. Esse sistema sucessório - que, como se vê, pode assumir características hereditárias - está bem de acordo com a deterioração ético-institucional daquela que deveria ser a mais importante Casa Legislativa da República, por ser constituída dos ¿mais velhos¿ (por sua própria etimologia), representantes das unidades federadas, mas, em vez disso, se tornou um grande escritório de negócios familiares e regionais, a serviço das oligarquias.

Avolumam-se os casos em que a qualificação para ser candidato à primeira ou segunda suplência de senador ou é o parentesco ou é a condição de financiador da campanha do titular, havendo casos em que a renúncia do titular logo depois da eleição faz parte do ¿contrato de financiamento¿. O primeiro corolário dessa regra é que, nas campanhas eleitorais, esses suplentes são cuidadosamente escondidos do eleitor - uma pesquisa sobre quantos eleitores sabem quem são os suplentes dos senadores que sufragaram certamente terá um resultado perto de zero.

O sucessor do senador Lobão pai, o Lobão Filho, é objeto de muitas denúncias - uso de uma doméstica como laranja de uma distribuidora de bebidas, que seria uma empresa de fachada, endividada com o Fisco; apagar dos registros públicos 3 mil notas fiscais de outra firma em que seria sócio oculto; operar uma TV clandestina; arrendar irregularmente a TV Difusora de Imperatriz a uma ONG; afora a circunstância de ter passado de padeiro a diligente empresário nos ramos imobiliário e midiático, por coincidência, quando o pai era governador do Maranhão, de 1991 a 1994. Por sua vez, o sucessor do sucessor do Lobão pai, o segundo suplente Remi Ribeiro, é acusado de ter sido um dos 10 beneficiários de um esquema de desvio de dinheiro da prefeitura do município maranhense de São Bento, quando detinha as chaves do seu cofre. Indiciado pela Polícia Federal, foi denunciado pelo Ministério Público por crime de responsabilidade e peculato.

As denúncias contra estes suplentes certamente não comovem o Senado, sabendo-se que nada menos de 30 entre os 81 senadores - ou seja, 37% deles - estão implicados em processos judiciais ou que correm no Tribunal de Contas. E que na Câmara dos Deputados os implicados são em número de 163 - ou 32%. Não bastasse a ¿qualidade ética¿ dos parlamentares que compõem esses números - e que certamente se candidataram para obter imunidade perante a Justiça -, o eleitor ainda tem de assistir, impotente, ao despudorado desrespeito à sua vontade, quando assume como seu representante aquele em quem ninguém votou.