Título: Pesadelo africano
Autor: Lapouge, Gilles
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/02/2008, Internacional, p. A10

Essa insurreição no Chade é algo muito grave para a África e também para a França e a União Européia. O árido Chade é muito pobre, vizinho do Sudão e da província sudanesa de Darfur, onde persiste uma guerra civil que já deixou 200 mil mortos. O governo do Sudão nada faz para impedir os ataques das milícias assassinas contra as população rural de Darfur.

A França tenta, desde que François Sarkozy assumiu o governo, socorrer a população golpeada pelos milicianos, tolerados, talvez armados, por Cartum. A ONU também tentou intervir para proteger esses infelizes de Darfur, mas Cartum impediu. Foi então que a França (o chanceler Bernard Kouchner e Sarkozy) tomou a iniciativa de formar uma força internacional estritamente européia, a Eufor, para tentar estabilizar a situação em Darfur.

O objetivo dessa força era, também, dar uma nova dimensão à União Européia, que tem sido acusada de não ter a mínima política externa comum. A Eufor iria reparar esse erro. Sarkozy instituía os primeiros rudimentos de uma futura diplomacia européia de peso.

Infelizmente, o Sudão rejeitou a entrada em seu território de qualquer força internacional, seja da ONU, da União Africana ou da União Européia - essa Eufor imaginada por Sarkozy. Considerando a agressividade do Sudão, a mobilização da Eufor não era fácil. Os outros países europeus fizeram-se de rogados para participar dela. Temiam cair numa armadilha, um vespeiro.

Sarkozy persistiu: ele queria a sua Eufor. O contingente teria 2.100 soldados franceses, ou seja, três quartos do total, o que aliás desagradou todo o mundo - não só o Sudão, mas também os outros europeus, e a França mais uma vez foi acusada de querer comandar tudo.

O governo sudanês detesta a Eufor: quando percebeu que a idéia de Sarkozy avançava, montou um pequeno exército de rebeldes chadianos, refugiados no Sudão e hostis ao governo legítimo de Ndjamena. E enviou essa coluna de insurgentes para a capital do Chade. Com sucesso.

Conseqüência: a Eufor que deveria ser mobilizada por esses dias, se abateu. Os contingentes austríacos e irlandeses já anunciaram sua renúncia. Assim, uma das grandes iniciativas humanitárias de Sarkozy parece, no momento, bastante comprometida. E os moribundos continuarão a morrer.

A boa vontade francesa é evidente e perfeitamente generosa. Seu fracasso demonstra mais uma vez que iniciativas tão complexas e sensíveis como essa exigem que sejam aplicadas com lentidão, circunspecção e profissionalismo, se possível não por um único homem, mas por equipes destemidas e que conheçam o terreno. O ex-presidente François Mitterrand tinha uma fórmula que ele apreciava muito e empregava com freqüência: ¿A política é uma arte. Uma arte, eu lhes digo.¿

* Correspondente em Paris

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