Título: Até 2023, petróleo deve garantir US$ 6,2 trilhões a países árabes
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/02/2008, Economia, p. B4

Pesquisa da consultoria McKinsey mostra que enquanto mundo teme recessão, Golfo teme superaquecimento da economia

Os preços recordes do petróleo transformam o Oriente Médio e irão garantir nos próximos 15 anos lucros de pelo menos US$ 6,2 trilhões aos países do Golfo Pérsico, valor jamais visto pelas economias da região desde a descoberta do petróleo. Nas ruas de Abu Dabi, Doha ou Dubai, essa riqueza é flagrante e um número cada vez maior de empresas e bancos ocidentais são salvos por fundos de investimentos alimentados pelos petrodólares da região. Enquanto o mundo teme uma recessão causada pela crise americana, o Golfo tenta descobrir como conter um superaquecimento de suas economias.

Segundo um estudo da consultoria McKinsey, que acaba de ser divulgado, os lucros calculados dos países do Golfo (Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Catar, Kuwait, Omã e Bahrein) são baseados em um valor médio do petróleo de US$ 71 por barril. Caso a média seja de US$ 100, os ganhos serão de US$ 9 trilhões.

A região ainda vem atraindo um número cada vez maior de imigrantes de todo o mundo, dispostos a preencher os novos postos de trabalho criados - ainda que com condições degradantes, sem democracia e com censura explícita. Nos Emirados Árabes, 80% dos 4,5 milhões de habitantes são estrangeiros. No canteiro de obras da Odebrecht em Abu Dabi, 100% dos 2 mil operários são de fora dos Emirados.

Essa imigração massiva começou nos anos 90, quando os lucros no Golfo já somaram US$ 2 trilhões, valor equivalente aos PIBs do Brasil e da Índia juntos. O valor seria suficiente para comprar as dez maiores empresas americanas, como Exxon Mobil, Wal-Mart e General Motors.

Não por acaso, americanos e europeus tremem ao falar dos fundos soberanos árabes. A venda de portos americanos para uma empresa de Dubai causou um terremoto político nos EUA e acabou não se concretizando. Isso não evitou novas aquisições. Há um mês, fundos de investimentos de Abu Dabi e Kuwait ajudaram bancos suíços a saírem de crises inéditas. Em 2007, a Abu Dabi National Energy Company ainda fez sete aquisições nos Estados Unidos, Canadá, Gana e Índia.

Outra ofensiva vem ocorrendo no mercado imobiliário europeu, que sente os reflexos da crise das hipotecas de alto risco nos EUA. A empresa de Dubai ICD negocia a aquisição da tradicional Colonial, empresa imobiliária de Barcelona que enfrenta problemas com recessão no setor. A construtora Damac também anunciou que investirá US$ 30 bilhões em dez anos em pelo menos cinco países. A Bolsa de Dubai ofereceu US$ 5,8 bilhões pela operadora da bolsa sueca.

SUPERAQUECIMENTO

No mercado financeiro, a crise americana não fez mais que causar a volatilidade das bolsas árabes por alguns dias. O Dubai Islamic Bank teve lucros de 61% em 2007, contra 16% do UNB e 39% do BankMuscat, de Omã. Os três bancos de Abu Dabi vão ainda triplicar seu tamanho em 20 anos, segundo o Morgan Stanley. ¿Aqui, o problema não é dinheiro¿, afirma o embaixador do Brasil nos Emirados Árabes, Flávio Moreira Sapha.

Com custo de produção do petróleo a US$ 7 e o mercado comprando o produto por dez vezes mais, os economistas da região apontam que a renda da população terá um crescimento sem precedentes. O grande temor é um superaquecimento diante da maior inflação nos últimos 15 anos na região, com até 9,8% nos Emirados.

Criado em 1971, os Emirados contam com 8% de toda a produção mundial de petróleo e conseguiram atingir o posto de 16ª maior PIB per capita do mundo, com US$ 42 mil, nos últimos cinco anos. O país ainda está na 39ª colocação entre os locais com o melhor Índice de Desenvolvimento Social do mundo.

Mas há também uma segunda classe de cidadãos que, ainda ganhando dinheiro, vêem a situação de maneira bem menos entusiasmada. ¿Vim a Dubai pensando que seria diferente. Trabalho 12 horas por dia e, apenas em transporte, gasto duas horas. Tudo isso para ganhar US$ 700 por mês¿, afirmou Saam, engenheiro egípcio de 27 anos e que hoje vende computadores. ¿Sinto-me um cidadão de segunda classe e que não participa dos ganhos da mesma forma que os locais.¿

Os cidadãos de Dubai ganham casas do governo e dinheiro quando casam entre si, além de um ano de estudos no Ocidente e planos de saúde. Já os estrangeiros não têm o direito de pleitear nacionalidade local.

Para o cuidador de camelos Abdulah Shaid, sua única motivação em permanecer nos Emirados é o dinheiro que consegue enviar todo mês para a família em Bangladesh. ¿Vivo aqui há 15 anos e consigo enviar a cada mês US$ 300. Isso é muito bom para eles¿, afirma o imigrante, que vive num vilarejo no deserto a 50 quilômetros de Dubai.

Nos últimos dois meses, o governo encontrou 3,5 mil trabalhadores atuando de forma ilegal no país. É o caso de Bonifácio, que veio do Quênia há quatro meses. Ele vive em uma tenda no deserto e é levado todos os dias pelo empregador a Dubai. ¿Não quero ficar nessa situação para sempre.¿

O que ninguém ousa é criticar os xeques que mandam no país. Os jornais são censurados e o único que ousa fazer certos alertas - o 7DAYS - foi fechado cinco vezes apenas em 2007. Já o presidente Zayed Al Nahyan é hoje o segundo monarca mais rico do mundo, segundo a revista Forbes. Sua fortuna de US$ 21 bilhões só perde para o Sultão de Brunei, com US$ 22 bilhões, e é 35 vezes maior que a da Rainha Elisabeth, da Inglaterra.

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