Título: Eleição tensa decide futuro paquistanês
Autor: Perez, Angela
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/02/2008, Internacional, p. A18

Sob a sombra da fraude e da manipulação, votação de amanhã pode determinar ocaso do regime de Musharraf

Angela Perez

Os paquistaneses vão às urnas amanhã numa das mais decisivas eleições da história recente do país. A popularidade do presidente Pervez Musharraf caiu ao nível mais baixo desde sua chegada ao poder e as pesquisas indicam que os dois principais partidos de oposição têm, juntos, o apoio de 72% do eleitorado. Se obtiverem uma ampla vitória podem prejudicar os amplos e quase sempre questionáveis esforços de Musharraf para manter-se no cargo.

Com o país abalado pelo assassinato, em 23 de dezembro, da ex-primeira-ministra e líder opositora Benazir Bhutto, a campanha para as eleições parlamentares e de quatro assembléias provinciais foi marcada pela apatia. Poucos partidos promoveram comícios diante da constante ameaça de atentados.

¿A perspectiva é a de que o partido de Musharraf sofra uma grande derrota, a menos que as eleições sejam fraudadas. O presidente tem muito a perder e parece claro que ele tentará fraudá-las com o apoio de todo seu regime¿, disse ao Estado o analista Frederic Grare, do centro de estudos americano Carnegie Endowment. Se a oposição - que considera a reeleição de Musharraf inconstitucional - obtiver dois terços das cadeiras da nova Assembléia Nacional terá poder suficiente para pedir o impeachment do presidente.

Os paquistaneses, por seu lado, estão mais preocupados com o aumento dos preços do que com a política e espera-se uma elevada abstenção. Metade dos 164 milhões de paquistaneses tem direito a voto, mas nas eleições de 2002, menos de 30 milhões foram às urnas. A fim de animar os eleitores, o governo declarou feriado o dia de eleição.

O Partido Popular do Paquistão (PPP), de Benazir, guardou 40 dias de luto antes iniciar a campanha. Em um testamento, a ex-premiê pediu que o marido, Asif Ali Zardari, assumisse a chefia do movimento.

O partido de Benazir conquistou uma onda de solidariedade, apesar de Zardari não ser tão popular quanto sua mulher. Ele enfrentou várias denúncias de corrupção quando foi ministro do governo de Benazir, a ponto de sera apelidado de ¿senhor 10%¿. Benazir também acabou acusada de corrupção, teve de renunciar e, para escapar de um julgamento, passou oito anos no exílio em Dubai e Londres.

Durante sua curta campanha, o PPP passou a maior parte do tempo discutindo sobre quem será o candidato a primeiro-ministro, caso vença as eleições - o próprio Zardari ou o vice-presidente do partido, Mahkdum Amim Fahim.

Já o partido do ex-primeiro-ministro Nawaz Sharif - deposto por Musharraf num golpe em 1999 -, a Liga Muçulmana do Paquistão-N (Liga-N), centrou sua campanha em ataques ao presidente e na defesa de uma ¿grande coalizão nacional¿, pensando em futuros pactos pós-eleitorais.

Para o professor de ciências políticas Rasul Bakhsh Rais, da Universidade de Lahore, o assassinato de Benazir atraiu uma grande simpatia do eleitorado para o PPP. ¿Espera-se que o partido de Benazir seja o vitorioso nas eleições parlamentares e também em pelo menos duas das quatro assembléias provinciais. Os dois grandes partidos, o de Benazir e o de Nawaz Sharif, vêm se aproximando e devem formar um governo de coalizão¿, disse Rais.

Musharraf tem dado seu apoio à Liga Muçulmana do Paquistão-Q (Liga-Q), uma formação de centro-direita fundada em 2001. O partido foi o segundo mais votado em 2002 e obteve 126 cadeiras das 272 da Assembléia Nacional preenchidas pelo voto direto.

A Liga-Q fez uma campanha de perfil baixo, mas fazendo constantes ataques a Zardari, na esperança de impedir que uma alta participação beneficie os outros partidos, principalmente o PPP.

QUEDA

A popularidade de Musharraf começou a cair em março quando ele afastou o presidente do Tribunal Supremo, Iftikhar Chaudhry, e despencou depois que impôs estado de emergência no país por seis semanas, suspendeu a Constituição e demitiu vários juízes do Supremo.

Atualmente, segundo pesquisa do Instituto Republicano Internacional (IRI), com base nos EUA, 75% dos paquistaneses querem a saída do presidente - aliado-chave dos EUA em sua luta contra o terrorismo, mas que enfrenta uma onda de atentados e ataques de militantes islâmicos.

Na quinta-feira, Musharraf advertiu aos partidos de oposição que aceitem os resultados das eleições e não recorram à agitação se não saírem vitoriosos. Ao mesmo tempo, garantiu que as eleições serão livres e justas.

De acordo com a pesquisa do IRI, 50% dos eleitores apóiam o partido de Benazir e 22% a Liga-N, do ex-premiê Sharif. Apenas 14% dos eleitores disseram que votarão no partido pró-Musharraf.

Vários pequenos partidos, incluindo alguns islâmicos, decidiram boicotar as eleições - entre eles, o Movimento Paquistanês por Justiça, do ex-astro de críquete Imran Khan, que foi casado com a socialite Jemima Goldsmith e ficou conhecido por sua amizade com a princesa Diana.

Khan disse ao Estado que seu partido se recusou a participar das eleições por acreditar que sem um Judiciário independente não haverá democracia. ¿Se participarmos dessa eleição, estaremos dando legitimidade a um processo ilegal. Essas eleições foram manipuladas de vários modos, com a remoção do Judiciário, grandes gastos do Estado com candidatos do governo e violência¿, disse o ex-atleta.

¿Cerca de 60% de nosso Tribunal Supremo foi sumariamente demitido em 3 de novembro sob o estado de emergência, justamente quando estava prestes a declarar a reeleição de Musharraf uma farsa¿, disse Khan, um duro crítico do presidente. ¿Musharraf também emitiu um decreto perdoando toda a corrupção financeira de políticos, efetivamente acobertando os bilhões de dólares que foram levados do Paquistão¿, denunciou.

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