Título: Ciro briga com Cappio e Sabatella pelo S. Francisco
Autor: Scinocca, Ana Paula
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/02/2008, Nacional, p. A12

Deputado se exalta e debate no Senado sobre a obra do governo vira bate-boca

O que era para ser um debate no Senado sobre a transposição do São Francisco, com a presença de ministros, parlamentares, cientistas, representantes da Igreja Católica e os atores Osmar Prado, Carlos Vereza e Letícia Sabatella, virou uma guerra verbal entre o ex-ministro e hoje deputado Ciro Gomes (PSB-CE) e d. Luiz Flávio Cappio, bispo de Barra (BA). O bispo chamou o projeto de ¿propaganda enganosa¿. ¿O pobre vai colocar a mesa para o rico¿, disse, referindo-se à idéia de que a população vai pagar a conta da água para ¿agricultura irrigada, criação de camarão e usos industriais¿.

Entenda o projeto de transposição

Ciro reagiu e acusou frei Cappio de integrar uma espécie de rede de ¿falsa anunciação¿, que distorce os objetivos da transposição, ao acusar o governo de se mover pelo interesse ¿subalterno, clandestino, não confessado e safado de atender ao grande negócio e às empreiteiras e coisas que tal¿. Irritado com o bispo, que por duas vezes fez greve de fome em protesto contra a obra no São Francisco, o ex-ministro disse não admitir que o religioso se considere ¿intérprete superior do valor moral e ponha o modesto militante de 30 anos na vida publica¿ como alguém que está se movimentando por interesses subalternos.

¿Eu não sou movido por interesses subalternos. Eu estou aqui, equivocadamente ou não, movido pelo mais superior interesse público¿, discursou Ciro. ¿Eu não falo por Deus. Eu falo pelo mundanismo dos pecadores, como sou um deles.¿ E cobrou atitude do bispo: ¿Olhe para mim, d. Cappio.¿ O bispo olhou.

Antes, em sua fala, frei Cappio não se dirigiu diretamente a Ciro uma única vez. Destacando que falava em nome do ¿povo do Rio São Francisco¿, de ¿nações indígenas, quilombolas, brasileiros e brasileiras que se preocupam com a vida¿, criticou o governo e disse que a transposição viola os direitos das populações ribeirinhas. ¿Um projeto dessa magnitude exige diálogo com a sociedade e o governo nunca dialogou com a sociedade.¿

Em mais de cinco horas de discussão sobre o tema - a pedido do senador Eduardo Suplicy (SP), quatro comissões do Senado se reuniram ontem pela manhã com autoridades, pesquisadores, religiosos e ambientalistas -, frei Cappio sugeriu a elaboração de projetos alternativos para resolver o problema no Nordeste. Eles teriam de ser, segundo ele, propostas ¿economicamente mais abrangentes, ecologicamente mais sustentáveis, socialmente mais justas e eticamente mais corretas¿.

DESEDUCAÇÃO

O tom ríspido adotado por Ciro causou constrangimento no plenário. Admitindo que poderia ter passado do ponto, o ex-ministro voltou à tribuna para responder às críticas da atriz Letícia Sabatella, também contrária ao projeto. Abriu a segunda intervenção, no entanto, pedindo desculpas por sua ¿deseducação¿ com frei Cappio. ¿Meu incômodo é acumulado em uma série de coisas, mas não justifica a minha deseducação.¿ Foi timidamente aplaudido.

Mas o diálogo com Letícia Sabatella também foi duro. Ela elogiou a iniciativa do Senado em discutir o tema, mas considerou o debate tardio e ainda alfinetou: ¿Espero que não tenha sido teatro.¿

Dirigindo-se à atriz, o ex-ministro voltou, então, a exercitar seu estilo pouco polido. Disse que, como opção de combate pela transposição, resolveu ¿meter a mão na massa¿. ¿E às vezes (a mão) fica suja de cocô¿, concluiu. Enquanto ele discursava, Sabatella o interrompeu várias vezes. Argumentou que a água é necessária à vida e não se pode reduzi-la à condição de mercadoria. ¿Nem conhecemos toda a riqueza da diversidade de nosso país e já trocamos o que conhecemos por pseudodesenvolvimento, que será a riqueza de poucos¿, observou.

Outro momento tenso foi quando frei Cappio afirmou que a disponibilidade hídrica por habitante é maior na região metropolitana de Fortaleza (CE) do que na de São Paulo. Da tribuna, encarando o bispo, Tasso Jereissati (PSDB-CE) cobrou: ¿ É preciso um debate intelectualmente honesto. Dizer que Fortaleza tem mais água que São Paulo é uma mentira. É um absurdo que chega até a ofender o povo cearense.¿

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